Oração, no mesmo sentido que a prece, é uma invocação de ordem religiosa, mediante a qual o orador entra em comunicação com aquele a quem se dirige — normalmente, Deus ou os seus intermediários. A Doutrina Espírita reconhece o valor e a eficácia da oração e, ainda mais além, torna compreensível a sua ação, explicando o modo de transmissão de pensamento, o estabelecimento da sintonia entre aquele que ora e aquele que é invocado, os resultados práticos possíveis do ato de orar e as características que definem a verdadeira e eficaz oração, que torna o indivíduo mais próximo da divindade e dos bons Espíritos, angariando para si mais inspiração para sua evolução espiritual. Na Codificação Espírita, encontramos ensinamentos acerca da oração especialmente nos capítulos XXVII e XXVIII de O Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec. A eficácia da oração tem sido objeto de interesse da ciência e já há diversos estudos científicos favoráveis à ideia positiva da ação da prece sobre pacientes que oram ou por quem são feitas intercessões.
Contexto
O termo oração vem do latim oratìo,ónis que se traduz como discurso, linguagem, palavra, exortação, etc. No contexto religioso, orar é um fundamento que estabelece uma ligação com as forças superioras da espiritualidade. Algumas religiões desenvolvem um modo particular de oração através de uma liturgia, com preces e ritos sacramentais pré-definidos — também conhecidos como rezas — e indispensáveis para o seu oficio religioso, também considerando esse tipo de adoração como um mecanismo de salvação da alma. O Espiritismo, por sua vez, isenta-se de qualquer formalidade e ritualismo, observando as instruções do Cristo no tocante a essa prática:
"Quando orarem, não se assemelhem aos hipócritas, que de propósito oram de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas para serem vistos pelos homens. Na verdade, digo que eles já receberam sua recompensa. Quando quiserem orar, entrem para o seu quarto e com a porta fechada, orem ao Pai em silêncio; e o Pai, que vê o que se passa em secreto, lhes dará a recompensa. Não cuidem de pedir muito nas suas preces, como fazem os pagãos, os quais imaginam que pela multiplicidade das palavras é que serão atendidos. Não se tornem semelhantes a eles, porque o Pai sabe do que é que necessitam, antes que Lhe pecam."
Jesus Cristo, Mateus, 6:5-8
Características da oração
Uma oração pode ter por objetivo:
Embora Jesus tenha recomendado aos seus discípulos a prece individualizada e no mais absoluto recolhimento, quando em comparação com a adoração hipócrita feita pelos pagãos, pelos publicanos e fariseus de seu tempo, a Codificação Espírita admite que façamos preces públicas e coletivamente, desde que seja mantida a uniformidade de pensamento e sentimento dentre os que oram em conjunto.
"O poder da prece está no pensamento, que nada depende nem das palavras, nem do lugar, nem do momento em que seja feita. Portanto, podemos orar em toda parte e a qualquer hora, a sós ou em grupo. A influência do lugar ou do tempo só se faz sentir nas circunstâncias que favoreçam o recolhimento. A prece coletiva tem ação mais poderosa, quando todos os que oram se associam de coração a um mesmo pensamento e visam o mesmo objetivo, pois é como se muitos clamassem juntos e em um só som. Mas, que importa seja grande o número de pessoas reunidas para orar, se cada uma atua isoladamente e por conta própria?! Cem pessoas juntas podem orar como egoístas, enquanto duas ou três, ligadas por uma mesma aspiração, orarão quais verdadeiros irmãos em Deus, e mais força terá a prece que lhe dirijam do que a das cem outras."
Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo - Cap. XXVII, item 15
Eficácia da oração
Na harmonia do Universo, há leis imutáveis que, portanto, não podem ser revogadas. Entretanto, no proceder da sua vida, o indivíduo tem seu livre-arbítrio, dentre certo escopo de liberdade, no qual é possível que sua prece interfira positivamente nos acontecimentos, pelo que se justifica o dizer do Cristo "Seja o que for que peçam na prece, creiam que o obterão e será concedido a vocês o que pedirem." (Marcos, 11:24).
Pela prece, o homem obtém o auxílio dos bons Espíritos que acorrem a sustentá-lo em suas boas resoluções e a lhes inspirar ideias sãs. Desse modo, ele adquire a força moral necessária a vencer as dificuldades e a voltar ao caminho reto, se deste se afastou. Por esse meio, pode também desviar de si os males que atrairia pelas suas próprias faltas.
"Ora, aqui, facilmente se compreende a ação da prece, visto ter por efeito atrair a valiosa inspiração dos Espíritos bons, ganhar deles força para resistir aos maus pensamentos, cuja realização nos pode ser terrível. Nesse caso, o que eles fazem não é afastar o mal de nós, mas sim, nos desviar do mau pensamento que nos pode causar dano; eles em nada afastam ao cumprimento dos decretos de Deus, nem suspendem o curso das leis da Natureza; apenas evitam que as infrinjamos, dirigindo o nosso livre-arbítrio. Contudo, agem à nossa revelia, de maneira imperceptível, para não dominar nossa vontade. O homem se acha então na posição de um que solicita bons conselhos e os põe em prática, mas conservando a liberdade de segui-los, ou não. Deus quer que seja assim, para que aquele tenha a responsabilidade dos seus atos e o mérito da escolha entre o bem e o mal. É isso o que o homem pode estar sempre certo de receber, se o pedir com fervor, sendo, portanto, sobretudo a isso que podemos aplicar estas palavras "Peçam e obterão"."
Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo - Cap. XXVII, item 12
As intercessões feitas em favor de terceiros é um ato de elevação espiritual e de caridade para com aqueles. Os Espíritos sofredores esperam por preces e estas lhes são proveitosas, porque, verificando que há quem pense neles, se sentem menos abandonados e menos infelizes. Entretanto, a prece tem sobre eles ação mais direta: reanima-os, inspira neles o desejo de se elevarem pelo arrependimento e pela reparação e, possivelmente, desvia-lhes do mal o pensamento. É nesse sentido que pode não apenas aliviá-los, como abreviar os seus sofrimentos.
Modo de orar
Segundo os ensinamentos espíritas, a oração boa, forte e que traz resultados positivos é aquela feita com sentimento, sinceridade e humildade, através de um pensamento claro e objetivo. Aquelas formuladas com adornos superficiais de palavras, as repetitivas e as alongadas partem daqueles que pretendem exibir uma falsa religiosidade, ostentando as suas qualidades de orador e de um religioso.
"Para que a prece toque, é preciso que cada palavra desperte uma ideia e, desde que não seja entendida, nenhuma ideia poderá despertar. Será dita como simples fórmula, cuja virtude dependerá do maior ou menor número de vezes que a repitam. Muitos oram por dever; alguns até por obediência aos costumes, pelo que se julgam quites, desde que tenham dito uma oração determinado número de vezes e em tal ou tal ordem. Deus vê o que se passa no fundo dos corações; lê o pensamento e percebe a sinceridade. Julgá-lo, pois, mais sensível à forma do que ao fundo é rebaixá-lo."
Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo - Cap. XXVII, item 17
Compreender, reconhecer e agradecer as ininterruptas maravilhas concedidas por Deus a todos nós é razão para que façamos da nossa própria vida, em cada gesto mais comum, uma eterna oração de louvor. E dentre as coisas que possamos pedir a Deus e à espiritualidade, a doutrina dos Espíritos nos recomenda destacar as virtudes e a coragem para exercê-las em nosso cotidiano.
"O que Deus lhe concederá sempre, se o homem pedir com confiança, é a coragem, a paciência, a resignação. Também lhe concederá os meios de se tirar das dificuldades por si mesmo, mediante ideias que fará os bons Espíritos lhe sugerir, dessa forma, deixando para ele o mérito da ação. Deus assessora os que ajudam a si mesmos, de conformidade com esta máxima "Ajuda-te, que o Céu te ajudará"; mas não auxilia os que esperam tudo de um socorro estranho, sem fazer uso das capacidades que possui. Entretanto, as mais das vezes, o que o homem quer é ser socorrido por milagre, sem despender o mínimo esforço."
Allan Kardec, O Evangelho segundo o Espiritismo - Cap. XXVII, item 17
Os Espíritos amigos da codificação do Espiritismo sempre nos recomendam a oração e nos instruem para o modo mais eficaz:
"O dever primordial de toda criatura humana, o primeiro ato que deve assinalar a sua volta à vida ativa de cada dia, é a prece. Quase todos vocês oram, mas como são poucos os que sabem orar! (...) A sua prece deve conter o pedido das graças de que necessitam, mas de que realmente vocês necessitam. Portanto, é inútil pedir ao Senhor que abrevie as suas provas, que os dê alegrias e riquezas. Roguem que Ele conceda os bens mais preciosos da paciência, da resignação e da fé. (...) Devem orar sem cessar, sem que para isso seja preciso se recolher ao oratório, ou se lancem de joelhos nas praças públicas. A prece do dia é o cumprimento dos seus deveres, sem exceção de nenhum, qualquer que seja a natureza deles.(...) Isso independe das preces regulares da manhã e da noite e dos dias consagrados. Como podem ver, a prece pode ser de todos os instantes, sem nenhuma interrupção acarretar aos seus trabalhos. Dita assim, ela, ao contrário, os santifica. Tende como certo que um só desses pensamentos, se partir do coração, é mais ouvido pelo Pai celestial do que as longas orações ditas por hábito, muitas vezes sem causa determinante e às quais apenas maquinalmente chama a hora convencional."
V. Monod, O Evangelho segundo o Espiritismo - Cap. XXVII, item 17
Ação de transmissão de pensamento na prece
Em se tratando de um ato sincero e humilde, nenhuma prece fica sem resposta. A Doutrina Espírita nos esclarece que estamos todos mergulhados num fluido universal, que ocupa todo o espaço. Esse fluido recebe impulsos emitidos pelos nossos pensamentos, cuja força energética é proporcional à nossa vontade. Quando um pensamento é dirigido para um ser qualquer na Terra ou no espaço, de encarnado para desencarnado, ou vice-versa, uma corrente fluídica se estabelece entre um e outro, transmitindo de um ao outro aquele pensamento, como o ar transmite o som. Assim é que os Espíritos ouvem a prece que lhes é dirigida, qualquer que seja o lugar onde se encontrem; é assim que os Espíritos se comunicam entre si, que nos transmitem suas inspirações e que se estabelecem relações à distância entre encarnados.
A energia da corrente é proporcional com a do pensamento e da vontade. É assim que os Espíritos ouvem a prece que lhes é dirigida, qualquer que seja o lugar onde se encontrem; é assim que os Espíritos se comunicam entre si, que nos transmitem suas inspirações, que se estabelecem relações à distância entre encarnados. Essa ação também se subordina à vontade de Deus — juiz supremo em todas as coisas e o único apto a torná-la eficaz.
"A mente centralizada na oração pode ser comparada a uma flor estelar, aberta ante o Infinito, absorvendo-lhe o orvalho nutriente de vida e luz. (...) Orar constitui a fórmula básica da renovação íntima, pela qual divino entendimento desce do Coração da Vida para a vida do coração. Semelhante atitude da alma, porém, não deve, em tempo algum, resumir-se a simplesmente pedir algo ao Suprimento Divino, mas pedir, acima de tudo, a compreensão quanto ao plano da Sabedoria Infinita, traçado para o seu próprio aperfeiçoamento, de maneira a aproveitar o ensejo de trabalho e serviço no bem de todos, que vem a ser o bem de si mesma."
André Luiz, Mecanismos da Mediunidade, Chico Xavier e Waldo Vieira - Cap. 25
A oração de Jesus
Jesus é o exemplo mais emblemático para demonstrar à Humanidade o valor da oração. Segundo os evangelhos bíblicos, o Cristo constantemente estava em sintonia com o seu Pai e frequentemente se recolhia em oração mais profunda, prescrevendo aos seus discípulos tal prática, como lemas na prescrição "Vigiem e orem, para não entrarem em tentação!" (Mateus, 26:41).
A título de inspiração para nossas preces, Jesus nos ditou a oração do Pai Nosso:
"Orai, portanto, assim: Pai Nosso, que estais nos céus, santificado seja o teu nome, venha a nós o teu reino; seja feita a tua vontade, assim na terra, como no céu. Dá-nos o pão nosso de cada dia; perdoa as nossas dívidas, como também perdoamos nossos devedores; e não nos deixeis entregues à tentação, mas livrai-nos do mal."
Jesus, Mateus, 6:9-13
Preces espíritas
O Espiritismo nos diz que, no que toca à oração, a fórmula nada vale e o pensamento é tudo, por isso, os Espíritos superiores jamais receitam qualquer reza ou forma absoluta de preces. Contudo, uma oração proferida por outro alguém — a exemplo do Pai Nosso, ditado pelo Cristo — pode nos servir de inspiração, para fixação das ideias e para nos chamar a atenção sobre certos princípios doutrinários. Desta feita, encontramos em O Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XXVIII, uma coletânea de preces espíritas, inspiradoras para diversas ocasiões e propósitos, como subsídio para auxiliar aqueles que sentem embaraço para externar suas ideias, além de frisar os conceitos espíritas.
Nessa coletânea, encontramos preces gerais, preces para si mesmo e para outrem: pelos encarnados, pelos desencarnados, pelos enfermos, obsidiados, pelos inimigos, etc.
A ciência e o poder da oração
Cada vez a ciência demonstra interesse no estudo do poder da oração e já há vários estudos sugerindo resultados concretos em favor de pacientes que oram e ou que recebem intercessões de terceiros.
A grande dificuldade dos cientistas é compreender, para em seguida admitir, o mecanismo da intervenção espiritual em certas curas. Pelo senso comum, essa cura milagrosa tem um efeito mágico, revogando as leis físicas — coisa que a ciência naturalmente repudia, uma vez que ela se fundamenta exatamente na ordem dessas leis.
O Espiritismo então apresenta a solução para este embaraço: não há revogação das leis da natureza na terapêutica espiritual, mas um fenômeno absolutamente natural, mediante a ação de uma inteligência invisível (os Espíritos) e recursos também inerentes à Natureza (como os fluidos curadores). Quando a ciência conseguir compreender a interação deste nossa dimensão material com os planos mais sutis então poderá sancionar não apenas os efeitos da prece, mas também o mecanismo de sua ação.
Referências
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