Encarnado é a condição do indivíduo que experimenta a vida material, revestido num corpo físico; equivalente ao termos nascido, corporificado, materializado. Esse vocábulo também se aplica ao próprio ser que esteja nesta condição: um animal ou um ser humano (no caso dos Espíritos, uma vez encarnados, eles são chamados de alma, equivalente a pessoas, indivíduos). Encarnado é, portanto, o antônimo de desencarnado.
Morfologia e sintaxe
A palavra encarnado é formada a partir de en (prefixo de aproximação, transformação) + carne, significando literalmente “com carne” ou “em carne”; neste contexto, carne — da mesma forma que a expressão carne e osso — representa o organismo físico, o corpo animal ou humano. Ela pode ser verificada em três classes gramaticais: adjetivo, substantivo e verbo (particípio passado).
Adjetivado, este vocábulo representa a qualidade de quem está “vivo na carne”, isto é, vivendo na dimensão física, ao invés da vida espiritual. Na sua obra para a codificação do Espiritismo, Allan Kardec usou este termo (incarné, no original em francês) com frequência, por exemplo, no trecho seguinte (grifo nosso):
“Para o Espírito encarnado, a obrigação de providenciar a nutrição do corpo, a sua segurança e o seu bem-estar o força a empregar suas capacidades a essas buscas, a exercitá-las e as desenvolver. A sua união com a matéria é, pois, útil ao seu adiantamento; eis por que a encarnação é uma necessidade.”
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. XI, item 24
Na forma de substantivo, encarnado significa o próprio indivíduo que esteja nesta condição: “os Espíritos ajudam os encarnados”. É nesse contexto que lemos Kardec na seguinte citação (grifo nosso):
“Com a reencarnação, finalmente há solidariedade perpétua entre os encarnados e os desencarnados; daí vem o estreitamento dos laços de afeto.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. IV, item 22
Como verbo, é o particípio passado de encarnar (nascer, tornar-se vivo), tendo a mesma significação de nascido; por exemplo: “Tão logo tenha encarnado, o Espírito se torna uma alma.”
Da mesma origem morfológica derivam os termos encarnação (equivalente a nascimento ou estado de encarnado) e reencarnação, com as suas variações (reencarnado, reencarnar, reencarnacionista etc.) expressando a conotação de repetidas encarnações. Segue alguns dos inúmeros trechos da obra kardequiana contendo variações da palavra em estudo (grifos nossos):
“No estado da encarnação, o perispírito fica unido à matéria do corpo; já no estado da erraticidade, ele fica livre.”
O Livro dos Médiuns, Allan Kardec - 2ª parte, cap. IV, item 75
“Certas pessoas repulsam a ideia da reencarnação pelo único motivo que ela não lhes convém, dizendo que já lhes basta uma existência e que elas não desejariam recomeçar outra parecida. [...] Por pior que seja o seu humor, não terá que sofrer menos no dia seguinte nem nos que se sucederem, até que esteja curado. Por isso, se eles devem viver corporalmente de novo, tornarão a viver, eles reencarnarão. Não adiantará nada se revoltarem como uma criança que não quer ir para a escola, ou como um condenado para a prisão; terão que passar por isso.”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 222
Em termos práticos, no jargão kardequiano, Espírito é o ser desencarnado e contraposto à alma, que é o ser encarnado ou reencarnado; além disso, a vida em todos os sentidos (na dimensão física ou na espiritualidade) é chamada de existência (que é infinita), ao passo que, numa concepção mais restrita, a existência encarnada é chamada de vida, que se extingue com a morte; a partir daí, o codificador espírita chama os encarnados de vivos, e aos desencarnados ele chama de mortos, a exemplo das passagens adiante (grifos nossos):
“Assim, podemos dizer que trazemos em nós mesmos o nosso inferno e nosso paraíso. Quanto ao purgatório, nós o encontramos em nossa encarnação, em nossas vidas corporais ou físicas.”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - comentário da questão 1017
“A prece é uma invocação, mediante a qual o homem entra pelo pensamento em comunicação com o ser a quem se dirige. Pode ter por objetivo um pedido, um agradecimento ou uma glorificação. Podemos orar por nós mesmos ou por alguém, pelos vivos ou pelos mortos.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. XXVII, item 9
Encarnação: destino dos Espíritos
O verdadeiro habitat é o da vida espiritual, no estado de desencarnado. A vida corpórea é circunstancial e temporária; mas sua ocorrência é uma necessidade para todos os Espíritos (que são criados simples e ignorantes) com dois propósitos básicos, conforme ensina o Espiritismo:
“Deus lhes impõe a encarnação com o propósito de fazê-los chegar à perfeição: para uns, ela é uma expiação; para outros, é uma missão. Contudo, para alcançar essa perfeição, os Espíritos devem passar por todas as vicissitudes da existência corporal: é nisso que consiste a expiação. A encarnação tem ainda outro objetivo, que é o de pôr o Espírito em condições de cumprir sua parte na obra da criação; é para executá-la que, em cada mundo, ele toma um instrumento compatível com a matéria essencial desse mundo para nele cumprir, desse ponto de vista, as ordens de Deus; de tal modo que, contribuindo para a obra geral, ele desenvolve a si mesmo.”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 132
Sendo impossível alcançar a perfeição espiritual numa única vida física, é imperativo o retorno à vida corporal, ou seja, a reencarnação (O Livro dos Espíritos - Livro Segundo, cap. V). Uma vez tenham atingido o grau de Espíritos puros, os indivíduos só reencarnam voluntariamente, para cumprir determinadas missões:
“Eles [os Espíritos puros] já percorreram todos os graus da escala e se depuraram de todas as impurezas da matéria. Tendo alcançado a soma de perfeição de que a criatura é capaz, estes não têm mais que sofrer nem provas nem expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida eterna no seio de Deus.”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 113
Características da condição de encarnado
O ser humano é então constituído de três elementos, a saber: 1) a alma (Espírito encarnado); 2) corpo carnal; e 3) perispírito (envoltório fluídico que compõe o Espírito e que faz a ligação entre o ser espiritual e o organismo material).
Representação gráfica do Espírito (alma), perispírito e corpo humano
O processo de encarnar consiste em o perispírito do ser encarnante envolver fluidicamente a matéria que dá origem ao corpo carnal para animá-la, isto é, para lhe dar vitalidade:
“Quando o Espírito deve encarnar num corpo humano em vias de formação, um laço fluídico — que não é mais do que uma expansão do seu perispírito — o liga ao gérmen ao qual ele é atraído por uma força irresistível desde o momento da concepção. À medida que o gérmen se desenvolve, o laço se aperta; sob a influência do princípio vital material do gérmen, o perispírito — que possui certas propriedades da matéria — se une molécula a molécula ao corpo que se forma: donde podemos dizer que, por intermédio do seu perispírito, o Espírito se enraíza de certa maneira nesse gérmen como uma planta na terra. Quando o gérmen chega ao seu pleno desenvolvimento, a união fica completa e então ele nasce para a vida exterior.”
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. XI, item 18
Enquanto encarnado, o Espírito fica sob a influência da matéria, cujas limitações são proporcionais ao nível evolutivo do mundo onde se dá a encarnação. Nos mundos menos adiantados, as condições de sobrevivência são mais rudes e as capacidades espirituais ficam eclipsadas, por exemplo, a memória espiritual com a lembrança das vidas passadas. Em nosso mundo atual, porém, o Espírito pode desfrutar momentaneamente de suas faculdades através das diversas circunstâncias da emancipação da alma (O Livro dos Espíritos - Livro Segundo, cap. VIII, questão 400 e seguintes).
Durante a experiência carnal, o perispírito é — além de órgão vitalizador do organismo material — o sensor que transmite as impressões físicas à consciência ao mesmo tempo em que reflete no corpo o estado emocional da alma.
Enquanto a existência espiritual é infinita, a vida corporal é limitada; quando a vida se extingue ocorre o fenômeno da morte e a alma passa pelo processo de desencarnação, voltando então à condição de Espírito, isto é, de desencarnado.
“[...] quando esse princípio deixa de atuar, em consequência da desorganização do corpo, mantida apenas por uma força atuante, então essa união entre o perispírito e a matéria carnal — efetuada sob a influência do princípio vital do gérmen — se desfaz quando essa força deixa de agir; então o perispírito se desprende molécula a molécula, como havia se unido, e a liberdade é restituída ao Espírito. Assim, não é a partida do Espírito que causa a morte do corpo, mas sim a morte que causa a partida do Espírito.”
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. XI, item 18
Importa salientar que o processo de desencarnação é mais ou menos rápido, fácil e suave ou demorado, difícil e doloroso, de acordo com a elevação moral do indivíduo:
“A observação prova que o desprendimento do perispírito no instante da morte não é completo subitamente; opera-se gradualmente e com uma lentidão muito variável conforme os indivíduos; para alguns, é bastante rápido, e podemos dizer que o momento da morte é o da libertação, em poucas horas; mas para outros, principalmente naqueles cuja vida tenha sido toda material e sensual, o desprendimento é muito menos rápido e algumas vezes demora dias, semanas e até meses, o que não implica ter no corpo a menor vitalidade, nem a possibilidade de voltar à vida, mas uma simples afinidade entre o corpo e o Espírito, afinidade que sempre está em proporção com a preponderância que o Espírito — durante a vida — tenha dado à matéria. Com efeito, é racional conceber que, quanto mais o Espírito se identificou com a matéria, tanto mais penoso lhe seja se separar dela; ao passo que a atividade intelectual e moral, assim como a elevação dos pensamentos operam um começo de desprendimento, mesmo durante a vida do corpo, e quando chega a morte, esse desprendimento é quase instantâneo.”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - comentário da questão 155-a
Por conseguinte, a maneira de viver como encarnado determina a destinação da alma após a morte:
“A alma ou Espírito sofre na vida espiritual as consequências de todas as imperfeições que não conseguiu corrigir durante a vida corporal. O seu estado — feliz ou infeliz — é proporcional ao grau de sua pureza ou de suas imperfeições.”
O Céu e o Inferno, Allan Kardec - 1ª parte, cap. VII: ‘Código penal da vida futura’
Veja também
Referências
- O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - Ebook.
- O Livro dos Médiuns, Allan Kardec - Ebook.
- O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Ebook.
- O Céu e o Inferno, Allan Kardec - Ebook.
- A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Ebook.