Mediatriz, aportuguesamento do vocábulo francês médiatrice, é um adjetivo utilizado por Allan Kardec para se referir àquilo que diz respeito à mediunidade, num sentido mais amplo, e à medianimidade, num sentido mais restrito; este termo, bastante usado no opúsculo Instrução Prática sobre as Manifestações Espíritas, acabou caindo no desuso na própria bibliografia kardequiana, a partir da publicação de O Livro dos Médiuns, justamente em favor dos vocábulos mediúnico e medianímico.
O primeiro registro histórico da palavra mediatriz (médiatrice, no original em francês) dentro da bibliografia kardequiana encontra-se na primeira edição da Revista Espírita, publicada em 1 de janeiro de 1858; ela então aparece no artigo “Diferentes modos de comunicações”, no parágrafo que começa pelo seguinte trecho: “As comunicações transmitidas pela psicografia são mais ou menos extensas, conforme o grau da faculdade mediatriz”.
E esta é a única ocorrência em toda a coleção do primeiro ano da mencionada revista. Porém, sua aplicação será farta em Instrução Prática sobre as Manifestações Espíritas, que Kardec publicou em julho daquele mesmo ano de 1858, sempre se referindo às capacidades da alma em estado de emancipação espiritual, começando pela descrição do conteúdo da obra na sua folha de rosto, em que diz: “A exposição completa das condições necessárias para se comunicar com os Espíritos e os meios de desenvolver a faculdade mediatriz nos médiuns”. Já na Introdução, falando do objetivo daquela publicação, o autor volta a usar o vocábulo estudado:
“(...) o seu objetivo consiste em indicar os meios de desenvolver a faculdade mediatriz tanto quanto as disposições de cada pessoa assim o permitirem, e sobretudo dirigir sua aplicação de uma maneira útil — desde que a faculdade exista.”
Instrução Prática sobre as Manifestações Espíritas, Allan Kardec - Introdução
Na coleção do segundo ano da Revista Espírita, 1859, há quatro ocorrências do adjetivo mediatriz, nos exemplares correspondentes aos meses de janeiro (1 ocorrência), fevereiro (2) e dezembro (1). E só.
O referido adjetivo voltou a ser grafado na Introdução da 2ª edição de O Livro dos Espíritos, em 1860:
“A experiência enfim deu a conhecer diversas outras variedades na faculdade mediatriz, vindo-se a saber que as comunicações igualmente podiam ocorrer pela palavra, pela audição, pela visão, pelo tato etc., e até pela escrita direta dos Espíritos, isto é, sem a ajuda da mão do médium nem do lápis.”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec – Introdução, item V
Desde então, em substituição ao vocábulo mediatriz, foi estabelecido o adjetivo medianímico e suas variantes: medianímica, medianímicos, medianímicas; esta renomeação deu-se especialmente a partir do lançamento de O Livro dos Médiuns, que inclusive reaproveitou vários trechos do opúsculo Instrução Prática, e em alguns dos quais constava o termo mediatriz, doravante vertido para medianímico ou uma de suas variantes. Um exemplo disso é o trecho adiante (destaque nosso):
“Com todos esses aparatos, quase sempre é preciso estar em dupla; mas não é necessário que a segunda pessoa seja dotada da aptidão MEDIATRIZ: ela serve unicamente para manter o equilíbrio e diminuir a fadiga do médium.”
Instrução Prática sobre as Manifestações Espíritas - cap. IV, ‘Psicografia’
“Com todos esses aparatos, quase sempre é preciso estar em dupla; mas não é necessário que a segunda pessoa seja dotada da aptidão MEDIANÍMICA: ela serve unicamente para manter o equilíbrio e diminuir a fadiga do médium.”
O Livro dos Médiuns - 2ª parte, cap. XIII, item 156
Como uma espécie de variante deste termo, na edição de abril de 1867, dentro de uma dissertação do Espírito Cáritas, aparece a palavra médiatrices, no original em francês, equivalente a um substantivo que, no rigor da letra, sugere ser traduzível como “mediatrizes” ou, pelo contexto, como “mediadoras” ou “medianeiras” (no sentido de “médiuns”):
“Ah, vocês que foram oprimidas na terra, mulheres que foram feitas escravas do homem, porque estavam sujeitas à dominação deles, o vosso reino não é deste mundo! Contentem-se, pois, com o destino que está reservado para vocês; continuem vossa tarefa; permaneçam como mediadoras [ou, medianeiras, mediatrizes, médiuns...] entre o homem e Deus, e compreendam bem a influência da vossa intervenção.”
Revista Espírita - abril, 1867: ‘Dissertações espíritas: Missão da mulher’
Numa circunstância excepcional, no artigo ‘O Espiritismo em Bordeaux’ da Revista Espírita de novembro de 1861, Kardec usou a variante francesa médiumnique, cuja tradução exata é “mediúnico”, aliás, a grafia que acabou se consagrando no movimento espírita brasileiro em lugar de medianímico; inclusive, alguns tradutores do Brasil vertem o termo francês médianimique costumeiramente para “mediúnico”, e de forma semelhante para as variações.
Na linguagem kardequiana, o adjetivo mediatriz é sinônimo de mediúnico e de medianímico, neste caso, equivalendo à mesma definição que Kardec atribuiu para mediúnico no Vocabulário Espírita contido em O Livro dos Médiuns: “Qualidade da potência dos médiuns”, pelo que podemos fazer um paralelo entre o exemplo de “faculdade mediatriz” com “faculdade medianímica” e “faculdade mediúnica”. Em suma, é a adjetivação referente a tudo o que diz respeito à mediunidade ou medianimidade, bem como ao médium, que é o agente da aptidão espiritual.
De alguma forma, a grafia mediatriz escapa da diferença sutil que há entre mediunidade e medianimidade: o primeiro termo é mais genérico, aplicável a toda e qualquer atividade do médium, embora num sentido mais estrito se refira aos casos em que há alguma interação entre o médium e outro ser espiritual; o segundo termo, num sentido mais estrito, detém-se nas atividades próprias do médium, enquanto alma em emancipação espiritual — atividade também conhecida como anímica, de animismo (do latim animus = alma). Desta forma, portanto, a atividade mediatriz sugere uma generalidade; tem o valor de quem se presta ao papel de intermediário, mediador, medianeiro, tal como se caracteriza a função de um médium.
A inspiração de Allan Kardec para usar o vocábulo francês médiatrice = mediatriz, certamente, vem de outras aplicações desse termo, em outras disciplinas.
Em Geometria, por exemplo, mediatriz é o lugar dos pontos que equidistam de dois pontos A e B distintos. Consequentemente, o traçado da mediatriz determina o ponto médio de um segmento AB.
No contexto jurídico, a língua francesa também utiliza esta palavra como o feminino de médiateur = mediador, em menção a quem atua como “mediadora” de conflitos familiares em processos de ruptura conjugal.
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