Obsessão, conforme a Doutrina Espírita, é a influência negativa que um Espírito exerce persistentemente sobre outra pessoa, de variadas maneiras de atuação, desde um simples desvirtuamento da moral até a perturbação completa das faculdades mentais e controle do organismo físico, cujos efeitos podem alcançar diversos graus do constrangimento e até enfermidades físicas. Allan Kardec classificou a obsessão em três tipos básicos: obsessão simples, fascinação e subjugação, acrescentando aí o caso especial de determinado tipo de possessão, em que o organismo físico da presa fica temporariamente dominado pelo Espírito agressor. O agente dessa má influência (o obsessor) demonstra, por essa prática, ser sempre de uma natureza inferior, própria dos Espíritos muito imperfeitos, movidos por interesses variados, por exemplo: sentimento de inveja, vingança, mero desejo de fazer o mal (aleatoriamente ou contra uma causa comum) ou ainda para usufruir de gozos materiais (fumo, bebida, droga, sexo etc.) que, neste caso, é comumente especificado como Vampirismo. O obsediado (ou obsidiado, obsedado) é a presa do processo obsessivo, e aí evidencia também sua inferioridade moral, seja pela suscetibilidade de ser perturbado ou mal influenciado, seja pela sua predisposição em gozar dos prazeres inferiores a que é arrastado. Em razão dos médiuns estarem naturalmente mais expostos ao contato dos Espíritos, a obsessão é então colocada como um perigo de primeira ordem para a prática da mediunidade, que, por sua vez, apresenta-se como poderoso auxílio no tratamento contra a obsessão (desobsessão), especialmente por revelar a ação oculta de obsessores e por propiciar um diálogo regenerador entre os envolvidos e intermediários motivados pela boa vontade. Além de ter sido a primeira doutrina a evidenciar sistematicamente o processo obsessivo, o Espiritismo faz-se o melhor meio para tratá-lo e prevenir a ação de Espíritos obsessores, cujos procedimentos básicos são: oração e aperfeiçoamento moral dos indivíduos envolvidos.
A palavra obsessão vem do latim obsessìo, que também deriva o termo “assédio”, justificando bem as características atribuídas a esse mal. Em geral, é descrito como uma motivação irracional ou desejo irresistível (compulsão) por uma coisa ou ato ridículo e constrangedor. O Dicionário Houaiss ainda acrescenta uma concepção curiosa, dentro da categoria de diacronismo antigo: “suposta apresentação repetida do demônio ao espírito”.
Atento aos estudos kardequianos sobre o referido assunto, a edição de fevereiro de 1875 do periódico Revista Espírita - publicação mensal de estudos psychologicos, editada no Rio de Janeiro por A. da Silva Netto, propôs para o português a criação de dois vocábulos relativos ao assunto: o verbo obsedar e o adjetivo obsedado, como alternativa aos termos respectivos usados em francês obséder e obsédé, enfatizando a especialidade da sua utilização, que assim anotou, na ortografia daquele tempo: "Não havendo em nossa língua uma palavra que signifique a acção de um máo Espirito desincarnado sobre um encarnado, creamos o verbo obsedar. Aos que lembrarem possuirmos o adjectivo obsesso, e que por isso deveriamos antes empregar o verbo obsessar, diremos que se assim procedessemos introduziriamos na nossa linguagem uma amphibologia. O adjectivo obsesso que nos vem da lingua latina, exprime a acção do demonio sobre o homem. O espiritismo reconhece a existencia de máos e perversos Espiritos, mas não a do demonio na accepção dos representantes da Igreja. Eis a razão porque havemos de empregar a palavra - obsedado, etc."
A Psiquiatria clássica identifica a obsessão como um tipo de mania, perturbação mental e comportamental, catalogada entre os transtornos neuróticos e listado no código internacional de doença como “TOC - Transtorno obsessivo-compulsivo” (CID-10 F42), caracterizado pela aparente necessidade de realizar e conferir rotinas compulsivamente (lavar as mãos, conferir a tranca da porta, alinhar objetos, etc.) ou pelo assédio intenso de determinados pensamentos (impressão de que está sendo vigiado ou mal visto pelas pessoas em geral), levando o paciente a situações constrangedoras e, com isso, provocando-lhe ansiedade. Os psiquiatras tradicionais não determinam a causa dessas compulsões, mas apontam como fatores de risco o estresse e os traumas na infância. Além de aconselhamento psiquiátrico, a medicina clássica também admite tratar os pacientes desse transtorno com medicação, dentre os quais os antidepressivos. A Organização Mundial de Saúde estima que, em algum momento da vida, esse mal afete 2,3% de toda a população mundial.
Em Espiritismo, a obsessão se configura a partir da acepção de que existe um agente espiritual (o Espírito obsessor) exercendo uma má influência sobre um indivíduo (o obsediado) de maneira mais ou menos oculta. Os fundamentos do entendimento espírita a respeito da obsessão foram oferecidos por Allan Kardec em O Livro dos Médiuns, capítulo XXIII, onde encontramos a seguinte definição:
“Entre os perigos que a prática espírita apresenta, devemos colocar na primeira linha a obsessão, isto é, o domínio que alguns Espíritos adquirem sobre certas pessoas. Sempre é praticada pelos Espíritos inferiores, que procuram dominar. Os bons Espíritos não infligem nenhum constrangimento, mas aconselham, combatem a influência dos maus e, se não os ouvem, retiram-se. Os maus, ao contrário, se agarram àqueles de quem podem fazer suas presas. Se chegam a dominar algum, identificam-se com o Espírito deste e o conduzem como se fosse verdadeira criança.”
O Livro dos Médiuns, Allan Kardec – cap. XXIII, Item 237
A especial preocupação da Doutrina Espírita com relação às influenciações obsessivas é colocada pelos efeitos nocivos que estas podem causar à prática mediúnica, visto que a mediunidade em Espiritismo tem por princípio servir de canal de solidariedade entre desencarnados e encarnados sob o propósito de contribuir mutuamente com a evolução de todos. Nesse sentido, a ação de obsessores pode ser bastante danosa, seja embaraçando as comunicações, seja perturbando o estado psicológico do médium (para prejudicar seu exercício mediúnico), e assim, em qualquer dos casos, prejudicando a campanha espírita de espiritualização da humanidade. Nesse contexto, vamos reconhecer o assédio de obsessores pelas seguintes características:
O perigo da obsessão em face da prática mediúnica é por vezes colocado como pretexto para se rejeitar a própria comunicabilidade com os Espíritos e, por conseguinte, toda a Doutrina Espírita, vista desta maneira como uma porta aberta para a loucura e a perdição dos médiuns. A suposições de tal gênero, Kardec vai responder:
“Não foram os médiuns, nem os espíritas que criaram os Espíritos; ao contrário: foram os Espíritos que fizeram que haja espíritas e médiuns. Não sendo os Espíritos mais do que as almas dos homens, é claro que há Espíritos desde quando há homens; por conseguinte, desde todos os tempos eles exerceram influência saudável ou perniciosa sobre a Humanidade. A mediunidade não é para eles mais que um meio de se manifestarem. Em falta dessa ferramenta, fazem-no por mil outras maneiras, mais ou menos ocultas. Logo, seria erro crer que só por meio das comunicações escritas ou verbais os Espíritos exercem sua influência. Esta influência é de todos os instantes e mesmo os que não se ocupam com os Espíritos ou até não creem neles estão expostos a sofrê-la, como os outros e mesmo mais do que os outros, porque não têm com que a contrabalancem...”
O Livro dos Médiuns, Allan Kardec – cap. XXIII, Item 244
Com isso, longe de se condenar o Espiritismo ou a mediunidade, por conta dos perigos da obsessão, deve-se mesmo reconhecer sua extrema necessidade para identificar e tratar esses males, para cujo tratamento a medicina tradicional é absolutamente ineficaz, os quais têm ocorrido em toda a História da humanidade, dentro e fora da doutrina e contra espíritas ou não, médiuns ou não, crentes e ateus etc.
“Em resumo: o perigo não está no Espiritismo em si mesmo, pois que este pode, ao contrário, servir-nos de direção e nos preservar do risco que corremos incessantemente à nossa revelia. O perigo está na orgulhosa propensão de certos médiuns para muito levianamente se julgarem instrumentos exclusivos de Espíritos superiores e nessa espécie de fascinação que lhes não permite compreender as tolices de que são intérpretes. Mesmo os que não são médiuns podem deixar-se apanhar...”
Idem
O processo obsessivo apresenta diversos tipos que se distinguem pelo grau de constrangimento e natureza de efeitos que produz.
Inicialmente, Allan Kardec enumerou três graus elementares de obsessão:
O modo de operação da obsessão se dá pela similaridade fluídica entre assediador e assediado:
“Na obsessão, o Espírito atua exteriormente, com a ajuda do seu perispírito, que ele identifica com o do encarnado, ficando este afinal enlaçado por uma espécie de teia e constrangido a proceder contra a sua vontade.”
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec – cap. XIV, item 47
Havendo uma sintonia fluídica — estabelecida pela similaridade de pensamentos, sentimentos e emoções —, o Espírito obsessor envolve sua presa com seu perispírito, procurando dominar o campo mental do obsediado para aí imprimir suas más sugestões. Se a pessoa assediada não tiver a necessária força espiritual para se desvencilhar dessa teia fluídica, acabará por ser forçada a seguir as sugestões do seu obsessor e com isso sofrer os mais diversos tipos de constrangimentos.
Na tradição popular, a possessão é o fenômeno que ocorre quando uma pessoa está corporal e mentalmente sob a posse de uma entidade espiritual má, de modo como se um Espírito “entrasse” no corpo da vítima e passasse a dominar diretamente o seu organismo material, na ideia de que um invasor tome o corpo do encarnado. Para certas pessoas, esse tipo de fenômeno ocorre por ação do demônio, donde se diz que o possuído está “endemoniado”, tomado por Satanás ou por um de seus demônios.
Num primeiro momento, Kardec rejeitou o fenômeno da possessão e enquadrou esse tipo de assédio dentro dos limites da subjugação:
“Dava-se antigamente o nome de possessão ao império exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia até à aberração das faculdades da vítima. A possessão seria para nós sinônimo da subjugação. Por dois motivos deixamos de adotar esse termo: primeiro, porque implica a crença de seres criados para o mal e perpetuamente dedicados ao mal, enquanto não há senão seres mais ou menos imperfeitos, os quais todos podem se melhorar; segundo, porque implica igualmente a ideia do apoderamento de um corpo por um Espírito estranho, de uma espécie de coabitação, ao passo que o que há é apenas constrangimento. A palavra subjugação exprime perfeitamente a ideia. Assim, para nós, não há possessos, no sentido vulgar do termo, há somente obsidiados, subjugados e fascinados.”
O Livro dos Médiuns, Allan Kardec – 2ª parte, cap. XXIII
Essa formulação kardequiana assentava-se em uma questão anteriormente posta aos Espíritos sobre a possibilidade de um Espírito tomar posse de um corpo encarnado animado por outro Espírito, mesmo que por instantes, e cuja resposta havia sido negativa:
Um Espírito pode tomar temporariamente o invólucro corporal de uma pessoa viva, isto é, introduzir-se num corpo animado e agir em lugar do outro que se acha encarnado neste corpo?
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec – questão 473
“O Espírito não entra em um corpo como entra numa casa, mas se identifica com um Espírito encarnado, cujos defeitos e qualidades sejam os mesmos que os seus, a fim de agir conjuntamente com ele. Mas, o encarnado é sempre quem atua, conforme quer, sobre a matéria de que se acha revestido. Um Espírito não pode substituir ao que já está encarnado, por isso que este terá que permanecer ligado ao seu corpo até o fim fixado para sua vida material.”
Posteriormente, contudo, o codificador espírita vai estudar os eventos de um determinado caso de obsessão, de gravíssimo grau, e reformula suas concepções acerca da possessão:
“Temos dito que não havia possessos no sentido vulgar do vocábulo, mas somente subjugados. Voltamos a esta asserção absoluta porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito errante a um encarnado.”
Revista Espírita, Allan Kardec – dez. 1863: “Um caso de possessão”
Kardec então vai formular uma teoria sobre o modo de operação na possessão, que se distingue do processo comum da obsessão (em que a ação se dá externamente, de perispírito para perispírito):
“Na possessão, em vez de agir exteriormente, por assim dizer, o Espírito atuante se substitui ao Espírito encarnado; toma o seu corpo como domicílio, sem que, no entanto, esse corpo seja abandonado pelo seu dono — porque que isso só se pode dar pela morte. Portanto, a possessão é sempre temporária e em intervalos, pois um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um encarnado, pela razão de que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no momento da concepção.
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec – cap. XIV, item 47
“De posse momentânea do corpo do encarnado, o Espírito se serve dele como se fosse o seu: fala pela sua boca, vê pelos seus olhos, opera com seus braços, conforme faria se estivesse vivo. Não é como na mediunidade falante (psicofonia), em que o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um desencarnado; no caso da possessão é mesmo o último que fala e obra; quem o tenha conhecido em vida, reconhece sua linguagem, a voz, os gestos e até a expressão da fisionomia.”
Desde essa reclassificação, a possessão é colocada como um fenômeno à parte da obsessão, porque nem sempre a manifestação possessiva é um assédio; pode tratar-se, pois, de um tipo de “possessão do bem”:
“Na possessão pode tratar-se de um Espírito bom que queira falar e que, para causar maior impressão nos ouvintes, toma de um encarnado, que voluntariamente lhe empresta o corpo, como emprestaria sua roupa a outro encarnado. Isso se verifica sem qualquer perturbação ou incômodo, durante o tempo em que o Espírito encarnado se acha em liberdade, como no estado de emancipação, conservando-se este último ao lado do seu substituto para ouvi-lo.”
Idem – cap. XIV, item 48
Todavia, embora se não possa dizer que toda possessão seja uma obsessão, de fato há certos ataques obsessivos em que o assediador faz uso dos recursos da possessão, e, nestes casos, os efeitos podem ser ainda mais danosos:
“As coisas se passam de outro modo quando o Espírito possessor é mau Ele não toma moderadamente o corpo do encarnado, arrebata-o, se este não possui bastante força moral para lhe resistir. Faz isso por maldade para com este, a quem tortura e martiriza de todas as formas, indo ao extremo de tentar exterminá-lo — seja por estrangulação, seja atirando-o ao fogo ou a outros lugares perigosos. Servindo-se dos órgãos e dos membros do infeliz paciente, blasfema, injuria e maltrata os que o cercam; entrega-se a estranheza e a atos que apresentam todos os tipos da loucura furiosa.”
Idem
Ver: Possessão
Dentre os processos obsessivos há o caso em que o Espírito visa especialmente sugar as energias vitais do obsediado, numa espécie de parasitismo, a exemplo da lenda popular do vampiro, pelo que esse tipo de obsessão é conhecido como vampirismo.
"Se nos referirmos aos morcegos sugadores, o vampiro, entre os homens, é o fantasma dos mortos, que se retira do sepulcro, alta noite, para alimentar-se do sangue dos vivos. Não sei quem é o autor de semelhante definição, mas, no fundo, não está errada. Apenas cumpre considerar que, entre nós, vampiro é toda entidade ociosa que se vale, indebitamente, das possibilidades alheias e, em se tratando de vampiros que visitam os encarnados, é necessário reconhecer que eles atendem aos sinistros propósitos a qualquer hora, desde que encontrem guarida no estojo de carne dos homens."
Missionários da Luz, (André Luiz) Chico Xavier - cap. 4
De modo geral, os vampiros espirituais são aqueles que, ainda bastante materializados e apegados às paixões humanas, procuram associar-se fluidicamente a quem lhes possam nutrir, notadamente os que compartilham de semelhantes vícios (álcool, tabaco, drogas etc.), incitando-os a tais gozos, para daí experimentar as sensações de quando encarnado, através do organismo alheio, absorvendo-lhe as energias.
Ver: Vampirismo.
A influenciação espiritual é uma condição natural, estabelecida pela Divindade, que serve ao mesmo tempo de oportunidade para a solidariedade entre Espíritos simpáticos como também para provações e expiações entre seres ainda presos a sentimentos baixos, ensejando-lhes a ocasião de praticar o mal, do qual, porém, eles não escapam das consequências, sendo estas tanto mais graves conforme forem mais graves as suas investidas; dos resultados sempre insatisfatórios desse mal que praticaram, por fim, eles acabam procurando o reajuste consciencial e findam na reconciliação com os seus desafetos — razão pela qual Deus permite os obsessões.
“Os Espíritos atrasados rodeiam em torno da Terra, em consequência da inferioridade moral de seus habitantes. A ação maldosa desses Espíritos é parte integrante dos flagelos com que a Humanidade se vê abraçada neste mundo. Por isso, a obsessão — que é um dos efeitos de semelhante ação, como as enfermidades e todas as atribulações da vida — deve ser considerada como provação ou expiação e aceita com essa função.”
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec – cap. XIV, item 45
As causas comuns das obsessões são:
Não é nada difícil imaginarmos o quanto um movimento como o Espiritismo pode provocar reações de interesses contrários, motivando ataques obsessivos contra os seus adeptos. A propósito, temos o depoimento do médium espírita Chico Xavier, conforme a transcrição de sua amiga Marlene Nobre:
(…) também registramos a voz nítida dos Espíritos inimigos da causa espírita cristã, perturbando-nos a tranquilidade interior. Essa presença de Espíritos infelizes, desde então, tem sido uma constante. Ouvimos-lhe diariamente os ataques à mensagem cristã e à Doutrina Espírita; as sugestões desagradáveis; as induções ao desequilíbrio; os sarcasmos em relação aos episódios por nós vividos no decorrer desta existência; as alusões ferinas às ocorrências menos dignas de nossos círculos doutrinários; as calúnias em relação a fatos conhecidos por nós; e até maledicências dirigidas ao nosso círculo de amizades. Tudo isso de forma tal que nos sentimos tolhidos na liberdade de pensar.
Lições de Sabedoria, Marlene Nobre - cap. XIV.
Em qualquer situação, não há vítima inocente nem injustiça na obsessão: o estado de obsediado denota certa inferioridade da presa.
“Assim como as enfermidades resultam das imperfeições físicas que tornam o corpo acessível às maléficas influências exteriores, a obsessão decorre sempre de uma imperfeição moral, que dá dominação a um Espírito mau.”
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec – cap. XIV, item 46
De modo geral, tanto a prevenção quanto o tratamento da obsessão passam pelo recondicionamento moral dos envolvidos, posto que o processo obsessivo só pode ocorrer enquanto houver uma sintonização fluídica ocasionada pelo estado de imperfeição de ambos (obsessor e obsediado).
Contudo, na existência de um processo obsessivo já em curso, os procedimentos práticos para se combatê-la variam de acordo com o grau de influenciação estabelecido. Comumente, esse tratamento é chamado de desobsessão.
Nos casos de obsessão simples, a recomendação básica é:
"Duas coisas essenciais se têm que fazer nesse caso: provar ao Espírito que não está iludido por ele e que lhe é impossível enganar; depois, cansar-lhe a paciência, mostrando-se mais paciente que ele. Desde que se convença de que está a perder o tempo, irá se retirar, como fazem os importunos a quem não se dá ouvidos”
O Livro dos Médiuns, Allan Kardec - cap. XXIII, item 249
Já em situações tais de um assédio mais obstinado...
“Porém, isto nem sempre basta e pode levar muito tempo, porque há Espíritos teimosos, para os quais meses e anos não são nada. Por isso, o médium deve dirigir um apelo fervoroso ao seu anjo bom, assim como aos bons Espíritos que lhe são simpáticos, pedindo-lhes que o ajudem.”
Idem
Nas ocorrências mais graves, quando há uma interligação obsessiva mais complexa, faz-se necessário um procedimento mais metódico.
“A cura das obsessões graves requer muita paciência, perseverança e devotamento. Exige também tato e habilidade, a fim de encaminhar para o bem Espíritos muitas vezes perversos, endurecidos e espertos, pois há os rebeldes ao extremo. Na maioria dos casos, temos de nos guiar pelas circunstâncias. Mas, qualquer que seja o caráter do Espírito, nada se obtém, é isto um fato incontestável, pelo constrangimento ou pela ameaça. Toda influência reside no ascendente moral. Outra verdade igualmente comprovada pela experiência tanto quanto pela lógica, é a completa ineficácia dos exorcismos, fórmulas, palavras sacramentais, amuletos, talismãs, práticas exteriores, ou quaisquer sinais materiais. A obsessão muito prolongada pode ocasionar desordens patológicas e, por vezes, reclama tratamento simultâneo ou consecutivo — tanto magnético, quanto médico — para restabelecer a saúde do organismo. Destruída a causa, resta combater os efeitos.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec – cap. XXVIII, Item 84
Pode até chegar ao ponto de se precisar de um interventor amigo e capacitado:
"A subjugação corporal tira muitas vezes ao obsidiado a energia necessária para dominar o mau Espírito. Daí o fato de se tornar preciso a intervenção de um terceiro, que atue, ou pelo magnetismo, ou pelo império da sua vontade. Em falta do auxílio do obsidiado, essa terceira pessoa deve tomar ascendente sobre o Espírito; porém, como este ascendente só pode ser moral, só a um ser moralmente superior ao Espírito é dado assumi-lo e seu poder será tanto maior, quanto maior for a sua superioridade moral, porque, então, se impõe àquele, que se vê forçado a se inclinar diante dele. Por isso é que Jesus tinha tão grande poder para expulsar aquele a que naquela época se chamava demônio, isto é, os maus Espíritos obsessores. Aqui, não podemos oferecer mais do que conselhos gerais, porque nenhum processo material existe, como, sobretudo, nenhuma fórmula, nenhuma palavra sacramental, com o poder de expelir os Espíritos obsessores. Às vezes o que falta ao obsidiado é força fluídica suficiente; nesse caso, a ação magnética de um bom magnetizador pode lhe ser de grande proveito. Contudo, é sempre conveniente procurar os conselhos de um Espírito superior ou do anjo guardião por um médium de confiança."
O Livro dos Médiuns, Allan Kardec - cap. XXIII, item 251
Em suma, a educação moral é a chave para a desobsessão:
“A uma causa física, opõe-se uma força física; a uma causa moral é preciso que uma força moral se equivalha. Para preservar o corpo das enfermidades, fortifique o corpo; para garantir a alma contra a obsessão, temos que fortalecê-la; eis porque é necessário para o obsidiado trabalhar para melhorar a si próprio, o que muitas vezes basta para livrá-lo do obsessor — sem o socorro de terceiros. Este socorro se torna necessário quando a obsessão recai em subjugação e em possessão, porque nesse caso, não raro, o paciente perde a vontade e o livre-arbítrio.”
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec – cap. XIV, item 46
Lembrando que os cuidados também devem ser estendidos aos Espíritos obsessores, no sentido de estimulá-los a renunciar ao mal:
“[...] para assegurar a libertação da vítima, torna-se indispensável que o Espírito perverso seja levado a renunciar aos seus maus costumes; que se faça que o arrependimento desponte nele, assim como o desejo do bem, por meio de instruções habilmente ministradas, em evocações particularmente feitas com o objetivo de lhe dar educação moral. Pode-se então ter a grata satisfação de libertar um encarnado e de converter um Espírito atrasado.”
Idem
Quando o obsediado é bem instruído sobre essa condição e então contribui voluntariamente com o tratamento, inclusive dirigindo suas preces em favor do refazimento consciencial do seu agressor (o Espírito obsessor) o trabalho fica mais fácil, porque assim, além de se fortalecer espiritualmente, aquele que é agredido dá ao seu algoz uma demonstração de nobreza, em se resignando diante do mal sofrido, ao mesmo tempo em que inspira o Espírito obsessor a buscar uma posição melhor. Além do que, ainda que este não reformule suas intenções, enquanto a vítima estiver fortalecida pelos bons pensamentos, sua atmosfera psíquica bloqueará as investidas de seu inimigo invisível.
A prece, aliás, é o mais poderoso meio de que dispomos para desviar o obsessor de seus propósitos maléficos e para atrair a proteção dos bons Espíritos, que estão sempre de guardar para ajudar, desde que haja comprometimento por parte daqueles que o evocam:
“Precisamos pedir ao nosso anjo guardião e aos bons Espíritos que nos assistam na luta; porém, não basta pedir que afastem o Espírito mau; devemos nos lembrar desta máxima: ajuda-te a ti mesmo e o céu te ajudará e, sobretudo, rogar a força que nos falta para vencermos os nossos maus pendores, que, para nós, são piores que os maus Espíritos, pois são esses pendores que os atraem, como a podridão atrai as aves de rapina. Orando também pelo Espírito obsessor, retribuiremos o mal que nos queira com o bem a ele e nos mostraremos melhores do que ele — o que já é uma superioridade. Com perseverança, muitas vezes acabamos por induzi-lo à posse de melhores sentimentos e a transformá-lo de perseguidor em amigo grato.”
Obras Póstumas, Allan Kardec – 1ª parte, "Manifestações dos Espíritos", item 58
Portanto, com a impotência dos recursos médicos e dos rituais de exorcismo ante o problema das obsessões, o Espiritismo então se apresenta como a melhor doutrina para esclarecer esse mal e oferecer o remédio para se combatê-lo e preveni-lo.
Dentre os modelos de orações oferecidas em O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec nos inspira com três preces especialmente dedicadas ao tema em questão: a primeira serve de exemplo àquele que sofre a perseguição espiritual:
“Meu Deus, permita que os bons Espíritos me livrem do Espírito mal-intencionado que se ligou a mim. Se é uma vingança que toma dos agravos que eu lhe haja feito no passado, tu a consentes, meu Deus, para minha punição e eu sofro a consequência da minha falta. Que o meu arrependimento me permita teu perdão e a minha liberdade! Mas, seja qual for o motivo, imploro para o meu perseguidor a tua misericórdia. Digna-te de lhe mostrar o caminho do progresso, que o desviará do pensamento de praticar o mal. Possa eu, de meu lado, retribuindo-lhe com o bem o mal, induzi-lo a melhores sentimentos. Mas, também sei, ó meu Deus, que são as minhas imperfeições que me tornam passível das influências dos Espíritos imperfeitos. Dá-me a luz de que necessito para reconhecê-las; combate, sobretudo, em mim o orgulho que me cega com relação aos meus defeitos. Qual não será a minha indignidade, pois que um ser maldoso me pode subjugar! Ó meu Deus, faça que me sirva de lição para o futuro este golpe desferido na minha vaidade; que ele fortifique a resolução que tomo de me purificar pela prática do bem, da caridade e da humildade, a fim de opor, daqui por diante, uma barreira às más influências. Senhor, dê-me forças para suportar com paciência e resignação esta prova. Compreendo que, como todas as outras, ela há de contribuir para o meu adiantamento, se eu não lhe estragar o fruto com os meus lamentos, pois me proporciona ensejo de mostrar a minha submissão e de exercitar minha caridade para com um irmão infeliz, perdoando-lhe o mal que me fez.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec – cap. XXVIII, Item 82
A segunda prece serve àquele que se encarrega de intervir num processo obsessivo, em favor de um obsediado:
“Deus Todo-Poderoso, digna-te de me dar o poder de libertar [nome do favorecido] da influência do Espírito que o obsidia; se estiver nos teus desígnios pôr fim a essa prova, concede-me a graça de falar com autoridade a esse Espírito. Bons Espíritos que me acompanham e tu, seu anjo guardião, deem a mim a ajuda de vocês; auxiliem-me a livrá-lo do fluido impuro em que se acha envolvido. Em nome de Deus Onipotente, peço ao Espírito malfazejo que o atormenta a que se retire.”
Idem – cap. XXVIII, item 83
A terceira, finalmente, inspira orarmos pelos Espíritos obsessores:
“Deus infinitamente bom, imploro à tua misericórdia para o Espírito que obsidia [nome do favorecido]. Faça-lhe entrever as divinas claridades, a fim de que reconheça falso o caminho por onde enveredou. Bons Espíritos, me ajudem a fazer-lhe compreender que ele tudo tem a perder, praticando o mal, e tudo a ganhar, fazendo o bem.
Idem – cap. XXVIII, item 84
“Espírito que se alegra em atormentar [nome do favorecido], escuta-me, pois que te falo em nome de Deus.
“Se quiseres refletir, compreenderá que o mal nunca vencerá o bem e que não pode ser mais forte do que Deus e os bons Espíritos. Possível lhes seria preservar [nome do favorecido], dos teus ataques; se não o fizeram, foi porque ele (ou ela) tinha de passar por uma prova. Mas, quando essa prova chegar a seu fim, toda ação sobre tua vítima te será vedada. O mal que lhe tiver feito, em vez de prejudicá-la, terá contribuído para o seu adiantamento e para torná-la por isso mais feliz. Assim, a tua maldade terá empregado em pura perda e se voltará contra ti.
“Deus, que é todo-poderoso, e os Espíritos superiores, seus delegados, mais poderosos do que tu, serão capazes de pôr fim a essa obsessão e a tua força se quebrará de encontro a essa autoridade suprema. Mas, por isso mesmo que é bom, Deus quer te deixar o mérito de fazer que ela cesse pela tua própria vontade. É uma demora que te concede; se não a aproveitares, sofrerá as duras consequências. Grandes castigos e cruéis sofrimentos te esperarão. Será forçado a suplicar a piedade e as preces da tua vítima, que já te perdoa e ora por ti, o que constitui grande merecimento aos olhos de Deus e apressará a libertação dela.
“Então, reflita enquanto ainda é tempo, visto que a justiça de Deus cairá sobre ti, como sobre todos os Espíritos rebeldes. Pense que o mal que neste momento pratica terá forçosamente um limite, ao passo que, se persistir na tua teimosia, aumentarão de contínuo os teus sofrimentos.
“Quando estava na Terra, não teria considerado estúpido sacrificar um grande bem por uma pequena satisfação de momento? O mesmo acontece agora, sendo Espírito. O que ganha com o que faz? O triste prazer de atormentar alguém, o que não afasta a que seja desgraçado, diga o que disser, e que te torne ainda mais desgraçado.
“Diante disso, veja o que perde; observa os bons Espíritos que te cercam e diga se não é preferível a sorte deles à tua. Da felicidade de que gozam, também tu partilhará, quando o quiser. Que é preciso para isso? Implorar a Deus e fazer, em vez do mal, o bem. Sei que não te pode transformar repentinamente; mas, Deus não exige o impossível; quer apenas a boa vontade. Experimenta e nós te ajudaremos. Faça que em breve possamos dizer em teu favor a prece pelos Espíritos penitentes e não mais considerar-te entre os maus Espíritos, enquanto te não conte entre os bons.”
Convém anotar que — se bem os Espíritos do tipo obsessores se aproveitem das perturbações mentais dos encarnados para lançarem seus ataques — nem toda perturbação provém originalmente dos inimigos invisíveis. Noutras palavras, não é sempre que uma perturbação espiritual é uma obsessão; muitas vezes, trata-se de um produto do próprio indivíduo, uma espécie de auto-obsessão.
“Também devemos dizer que muitas vezes se atribuem maldades aos Espíritos de que eles são inocentes. Alguns estados doentios e certas aberrações que se lançam à conta de uma causa oculta, derivam do Espírito do próprio indivíduo. As contrariedades que de ordinário cada um concentra em si mesmo — principalmente os desgostos amorosos — com frequência dão lugar a atos excêntricos, que seria errôneo considerar-se fruto da obsessão. Não raramente o homem é o obsessor de si mesmo.”
Obras Póstumas, Allan Kardec – 1ª parte, "Manifestações dos Espíritos", item 58
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