José Herculano Pires (Avaré, SP, 25 de setembro de 1914 - São Paulo, SP, 9 de março de 1979) foi um escritor, jornalista, educador, filósofo, além de notável estudioso e divulgador do Espiritismo, de inestimável contribuição à doutrina kardecista, especialmente no campo da Filosofia, razão pela qual é reputado o grande filósofo espírita brasileiro. É autor de aclamados livros doutrinários, dos quais O Espírito e o Tempo é considerado sua obra-prima. Foi amigo e apoiador de Chico Xavier, com quem inclusive compartilhou a autoria de algumas obras literárias; foi também um importante defensor do serviço mediúnico de Zé Arigó. A marca que consagrou a memória de Herculano Pires no movimento espírita é a da sua especial dedicação na defesa da pureza doutrinária da codificação espírita do Espiritismo, combatendo franca e ativamente ideias e ideologias estranhas à doutrina que ele abraçou com afeto e semeou com admirável dedicação. Seu legado espírita é preservado principalmente por três instituições diretamente ligadas à sua obra: a Fundação Maria Virgínia e Herculano Pires, a Editora Paideia e o Grupo Espírita Cairbar Schutel.
José Herculano Pires (1914-1979)
Herculano nasceu do casamento entre o farmacêutico José Pires Corrêa e a professora de piano Bonina Amaral Simonetti Pires, residentes em Avaré, interior de São Paulo, onde o garoto prodígio fez os primeiros estudos.
Suas aptidões literárias despontaram precocemente. Escreveu seu primeiro livro com apenas 16 anos: Sonhos Azuis, uma coleção de contos. Dois anos mais tarde, ele publicaria o segundo: Corações, desta vez, de poesias.
Em 1938, aos 24 anos de idade, casou-se com Maria Virginia Ferraz Pires, que ele conheceu quando proferia sua primeira palestra espírita, num centro espírita em Sorocaba, SP, onde ela era evangelizadora.
Trabalhou escrevendo para diversos jornais importantes em São Paulo e Rio de Janeiro, além de ser dirigente do Diário Paulista de Marília, SP. Mudando-se para a capital paulista em 1946, então publicou O Caminho do Meio, o seu primeiro romance. Trabalhou por três décadas nos Diários Associados, atuando como repórter, redator, cronista e crítico literário.
Embora dissesse não ter vocação acadêmica, nem pretendesse seguir escolas literárias, mas justamente para levar a Doutrina Espírita às discussões universitárias, ele entrou e acabou se graduando em Filosofia pela Universidade de São Paulo - USP, na turma de 1958, publicando uma tese existencial: ‘O ser e a serenidade’ — mais tarde serviria de base para um livro homônimo. A partir desta graduação, foi docente titular da cadeira de filosofia da educação na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, de 1959 a 1962. Foi ainda membro titular do Instituto Brasileiro de Filosofia, seção de São Paulo, onde lecionou psicologia.
Sagrou-se presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo de 1957 a 1959, também atuando como professor de sociologia no curso de jornalismo ministrado pelo Sindicato. Em sua trilha profissional, notabilizou-se pela apologia aos valores humanitários acima de todas as demarcações fisiológicas e ideológicas: ética e moral, acima das diferenças terrenas.
Presidiu e deu aulas no Instituto Paulista de Parapsicologia, onde organizou e dirigiu cursos de parapsicologia para os centros acadêmicos da Faculdade de Medicina da USP, da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, da Escola Paulista de Medicina e em diversas cidades e colégios do interior.
Foi membro da Academia Paulista de Jornalismo, onde em 1964 ocupou a cadeira Cornélio Pires — seu tio e outro grande ativista espírita —, e pertenceu à União Brasileira de Escritores, na qual exerceu o cargo de diretor e membro do Conselho no ano de 1964.
Exerceu ainda o cargo de chefe do Sub-Gabinete da Casa Civil da Presidência da República em São Paulo durante o governo de Jânio Quadros, no ano de 1961, onde permaneceu até a renúncia do presidente.
Infatigável estudioso das obras de Allan Kardec e espírita convicto desde os seus 22 anos, Herculano Pires foi um grande divulgador desta doutrina e defensor da sua pureza doutrinária, motivo pelo qual o levou a querer traduzir, ele próprio, as obras básicas do codificador espírita, sem hesitar críticas às ditas falsas interpretações dos confrades nem às instituições quaisquer que se desvirtuassem.
Combateu com firmeza o sincretismo religioso, o misticismo e outras tantas ideias que fugisse do racionalismo filosófico original da doutrina tal qual ele entendia. Como antídoto contra todos esses percalços, enfatizou o papel da educação — mas uma educação integral do ser, abrangendo todas as nossas potências espirituais:
Sua convicção o iluminou e seu espírito prático o conduziu ao serviço incessante em prol da propagação do Espiritismo, para a qual dedicou toda uma vida, com profícuos resultados. Manteve durante 20 anos uma coluna diária sobre sua doutrina nos Diários Associados, utilizando-se o pseudônimo de “Irmão Saulo”, no intuito de despersonalizar as reflexões. Nesta mesma trilha, por quatro anos compartilhou no mesmo jornal uma coluna em parceria com o médium e amigo Chico Xavier, sob o título ‘Chico Xavier pede Licença’.
Apresentou semanalmente um destacado programa na Rádio Mulher de São Paulo: No Limiar do Amanhã, pelo qual respondia às perguntas dos ouvintes sobre os mais variados problemas humanos, com base nos ensinamentos da Revelação Espírita.
Herculano Pires foi um dos jornalistas convidados para compor a mesa de entrevistadores na histórica edição de 21 de dezembro de 1971 do programa Pinga-Fogo da TV Tupi com Chico Xavier.
Veio dele, dentre as personalidades espíritas de seu tempo, a voz mais contundente a favor do médium Zé Arigó, tão questionado no meio espírita, por conta do modo “rústico” com que realizava as cirurgias espirituais, conduzidas pelo médico invisível Dr. Fritz. A argumentação defensora de Herculano está contida na obra Arigó: vida, mediunidade e martírio (1963).
Em toda a sua obra, o grande filósofo espírita valoriza a razão, o positivismo científico e enfatiza a contribuição espírita para o desenvolvimento da Filosofia, especialmente pela demonstração lógica do sentido da vida e pela solução dos clássicos conflitos antropológicos (como a origem e essência do mal) fundamentada na Lei da Reencarnação, atentando, com isso, na refutação das ideias materialistas.
Junto com sua fiel companheira, Dona Maria Virgínia, e amigos mais próximos, Herculano fundou no começo dos anos 1970 o Grupo Espírita Cairbar Schutel, cujas primeiras reuniões se deram na garagem de sua própria residência, organizando as sessões de tal modo que a consagrar o estudo e a reflexão da mensagem espírita, bem como a prática mediúnica, especialmente voltada para os Espíritos necessitados de atendimento fraterno.
Sempre fiel a Allan Kardec, Herculano teve voz ativa contra o que considerava desvios doutrinários, fundamentando suas concepções na codificação kardequiana, à qual — no seu entender — todas as ideias deveriam se submeter:
Por conta dessa defesa ativa, tratou enfaticamente, por exemplo, de distinguir a prática espírita da praxe dos cultos afrodescendentes (como os da umbanda e do candomblé), que considerou primitivas e sistematicamente descomprometidas com a moral e as virtudes espirituais — tal como o Espiritismo é caracterizado.
Fez frente contra o movimento roustainguista, que ele considerava por demais místico e que desde há muito vinha sendo preconizado por um influente grupo dentro da Federação Espírita Brasileira. Absolutamente contra as ideias desse movimento é que Herculano vai escrever por tantas vezes, a exemplo do que fez no livro O Verbo e a Carne.
Em outro momento muito saliente de sua jornada, o fiel kardecista levantou-se bravamente contra um projeto da Federação Espírita do Estado de São Paulo - FEESP de “modernizar” a linguagem espírita, tal como foi iniciado numa edição de O Evangelho segundo o Espiritismo de Allan Kardec, traduzida por Paulo Alves de Godoy e publicada em 1965, cuja “modernização” nada agradou a Herculano e que ainda envolveu indevidamente o nome de Chico Xavier. Em resposta, o médium e o filósofo se uniram na publicação do livro Na Hora do Testemunho (1976), justamente para denunciar os alegados “maus propósitos” da FEESP.
Herculano Pires, Waldo Vieira e Chico Xavier
A firmeza doutrinária de Herculano foi vista por alguns confrades como uma “extremada intransigência”. Com isso, ele sofreu críticas e certas perseguições. Seu programa na Rádio Mulher foi cancelado e seus livros foram boicotados por algumas instituições. Por sua vez, em resposta, fundou com seus próprios recursos a Editora Paideia, oficializada em 1976, pela qual passou a publicar suas obras.
Em sua rica lavra literária espírita, Herculano escreveu sobre os mais diversos temas relacionados aos problemas humanos, apontando as respectivas soluções mediante o ensinamento do Espiritismo, exaltando a necessidade dos espíritas em entregar-se ao estudo profundo e continuado das obras de Allan Kardec, tanto que foi Herculano quem cunhou a expressão “pedagogia espírita”, designando assim uma disciplina a ser desenvolvida, para a qual Herculano contribuiu com obras como: Educação para a Morte (1978), Pedagogia Espírita (1979) e Curso Dinâmico de Espiritismo (1979). Essa preocupação particular bem pode ser sintetizada nesta sua afirmação:
Na senda dos problemas mais especificamente filosóficos, destacam-se: O Espírito e o Tempo (para muitos, sua obra-prima), Introdução à Filosofia Espírita e O Ser e a Serenidade.
Tratando principalmente de questões doutrinárias, Herculano compôs pérolas tais como: A Pedra e o Joio (1973), O Verbo e a Carne, Agonia das Religiões (1973) e o já citado Na Hora do Testemunho.
Aprofundando temáticas espíritas, temos dele: A Obsessão, o Passe, a Doutrinação, O Centro Espírita e Vampirismo.
Também em parceria com Francisco Cândido Xavier, publicou: Astronautas do Além, Chico Xavier Pede Licença, Diálogo dos Vivos e Na Era do Espírito.
Traduziu e foi coautor de traduções dos livros doutrinários espíritas de Allan Kardec: O Livro dos Espíritos (tradução e notas), O que é o Espiritismo (introdução), O Evangelho segundo o EspiritismoO Livro dos Médiuns (tradução e notas), (tradução e notas), O Céu e o Inferno (tradução da primeira parte e notas), A gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo (apresentação do livro e notas), Obras Póstumas (introdução e notas), bem como da Revista Espírita, em parceria com seu amigo Julio de Abreu Filho.
Herculano desencarnou na noite de 9 de março de 1979, logo em seguida a um infarto fulminante, mas sua inestimável contribuição ao Espiritismo permanece influente e seu nome é uma das fontes mais recorridas para a compreensão do desenvolvimento espírita.
Sua sagacidade e fidelidade ao codificador espírita fizeram com que fosse reputado como “o metro que melhor mediu Kardec”, na expressão de Emmanuel, o mentor espiritual de Chico Xavier.
Jorge Rizzini, grande amigo seu, dedicou-lhe uma obra biográfica enaltecendo os predicados do grande filósofo: J. Herculano Pires, o apóstolo de Kardec.
J. Herculano Pires e Maria Virgínia
Após seu retorno à pátria espiritual, sua dedicada companheira continuou, com ajuda de familiares e fiéis amigos, administrando a editora e o grupo espírita fundados por Herculano. Após a desencarnação da viúva, com o objetivo de preservar e divulgar o legado deste grande apóstolo do Espiritismo, seus herdeiros criaram em 2001 a Fundação Maria Virgínia e Herculano Pires, que compartilha sua sede com aquelas outras duas instituições fundadas por Herculano (a Editora Paideia e o Grupo Espírita Cairbar Schutel) ainda hoje bastante ativas.
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