Inquisição, Tribunal da Inquisição ou Santo Ofício é o nome do órgão eclesiástico da Igreja católica, instituído em meados do século XII, marcando o ápice da Idade Média, cujo objetivo era o de combater a heresia, ou seja, qualquer ideia contrária à doutrina religiosa vigente no local do seu alcance, no caso o catolicismo, mas que na prática funcionou como um meio de perseguição e ataque — muitas vezes fatal — contra os ditos hereges, como expressão de intolerância religiosa. No seu rol de atuação, a História registra inúmeras ocorrências de terror psicológico, julgamentos sumários e inapeláveis, prisões, torturas físicas e condenação à pena capital; neste caso, o meio típico de execução era levar o herege para ser queimado, vivo, em praça pública. Também o Espiritismo sofreu ofensivas inquisitoriais, notadamente no célebre Auto de Fé de Barcelona, em 1861, e na censura às obras espíritas de Allan Kardec, que definiu esses ataques como os últimos resquícios da Era Medieval.
Representação de um tribunal da Inquisição
O protótipo do Tribunal de Inquisição surgiu em 1022 em Orleans, na França, como um departamento jurídico interno para regular heresias dentro do próprio meio católico local, em face de algumas seitas insurgentes. No século seguinte, com o recrudescimento dos conflitos teológicos, o combate às heresias foi tratado sistematicamente e enfim resultou na criação da instituição. Em 1184, o Papa Lúcio III lançou a bula Ad abolendam (“Rumo à abolição”) decretou que os detentores de cargos públicos, condes, barões, reitores, nas cidades e outros lugares, deveriam assumir a responsabilidade de punir os hereges que lhe fossem entregues pela Igreja; e qualquer autoridade que falhasse nesse dever seria excomungado, afastado do cargo e despojado de todos os direitos legais. As cidades que abrigassem hereges sofreriam boicotes comerciais, e as terras dos hereges conhecidos declaradas perdidas. No ano de 1231, o papa Gregório IX ratifica o tribunal e amplia o escopo de suas funções.
Seu campo de ação foi significativamente ampliado, especialmente por ocasião da Reforma Protestante. Os alvos mais comuns eram os pregadores de ideias religiosas contrárias às ideias católicas vigentes, supostos feiticeiros, bruxos e satanistas, bem como pensadores e cientistas cujas ideias ameaçassem a dominação da Igreja Católica.
Ao longo de sua existência, seu tribunal foi bastante requisitado e condenou fatalmente inúmeros réus. A bula Ad Extirpanda, do papa Inocêncio IV, de 1252, fez uma convocação oficial aos chefes de estados católicas em favor do cumprimento da Inquisição:
Em países onde o protestantismo era maioria, como Inglaterra e Alemanha, eventualmente as igrejas protestantes também instalavam tribunais similares, combatendo católicos, teólogos radicais e supostos praticantes de bruxaria ou coisas afins. Nos Estados Unidos, ocorreram uma série de audiências e processos similares que ficaram conhecidos como “Caça às bruxas”, sendo o mais notável desses ocorridos o caso das “bruxas de Salém”, no Estado de Massachussets, entre fevereiro de 1693 e maio do ano seguinte, contando com mais de duzentas pessoas acusadas, das quais trinta foram consideradas culpadas; vinte delas foram executadas (dezenove por enforcamento e uma por esmagamento com pedras), uma morreu enquanto era torturada e pelo menos cinco outras morreram na prisão.
As audiências públicas ou privadas do Santo Ofício eram chamadas de Auto de fé, para o qual qualquer pessoa poderia ser levada como ré mediante uma acusação de qualquer pessoa; relatos históricos contam que em determinados localidades onde a ação do clero era mais ativa o terror psicológico imperava, pois não raro a motivação das denúncias — muitas vezes falsas — visavam interesses outros que não a defesa doutrinária da crença, já que uma das consequências para o condenado era o confisco dos seus bens.
As sentenças eram decretadas sumariamente e sem apelação, depois enviadas às autoridades administrativas seculares para o cumprimento da pena. Os inquisidores encarregados de tocar os processos eram especialmente treinados para atender ao rigor da instituição; por muito tempo, essa tarefa ficou à cargo de fraudes dominicanos, da Ordem dos Pregadores, muito embora a praxe inquisitorial se distanciasse bastante dos ideais do fundador dessa ordem, São Domingos de Gusmão, e dos seus primeiros seguidores, tradicionalmente devotados à brandura e o desprendimento material.
A fim de adestrar seus fiéis, a Inquisição católica também visava controlar a leitura, razão pela qual lançou e passou a atualizar periodicamente o Index Librorum Prohibitorum, um guia contendo uma lista de obras proibidas pela igreja, por serem considerados perniciosos à sua crença. A primeira versão do Index foi promulgada pelo Papa Paulo IV em 1559 e a sua última edição foi publicada em 1948. Oficialmente, a lista só foi abolida em 1966, pelo papa Paulo VI. O Livros dos Espíritos de Allan Kardec foi uma das obras que passou a fazer parte desta listagem; sua inclusão foi feita na edição de 1 de maio de 1864; também da autoria do codificador espírita entraram nessa censura as seguintes obras: O Livro dos Médiuns, O Espiritismo em sua Expressão Mais Simples e a Revista Espírita.
Além de Kardec, grandes autores clássicos tiveram obras censuradas, por exemplo, Nicolau Copernico, Galileu Galilei, Victor Hugo, Maquiavel, Voltaire, René Descartes, Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant etc.
O italiano Galileu Galilei (1564-1642), um dos pais da revolução cientifica, foi um dos réus da Inquisição católica, em razão de ele defender a tese do heliocentrismo (de que o Sol seria o centro ao redor do qual orbitariam a Terra e os demais planetas do sistema solar), indo de encontro com a teoria então defendida pela Igreja: o Geocentrismo (de que a Terra seria o centro do Universo e que ao redor dela é que todos os astros orbitariam). Para fugir de uma condenação fatal, Galileu abjurou publicamente suas ideias. O que não se deu com tantos outros.
Galileu diante do Santo Ofício, pintura de Joseph-Nicolas Robert-Fleury.
Uma das personagens mais lembradas cujo martírio foi decretado pelo Santo Ofício é Joana D'Arc (1412-1431), a heroína francesa que, cinco séculos depois, seria canonizada santa católica e padroeira da França. Médium, a jovem liderou o combalido exército de seu país contra a poderosa Inglaterra, seguindo as instruções de vozes espirituais (Psicofonia); após devolver a coroa francesa ao seu rei, Carlos VII, a donzela guerreira foi capturada e vendida aos inimigos, os ingleses, para ser julgada pela Igreja e condenada à fogueira por bruxaria, entre outras alegações.
A chamada “fogueira santa” não poupava nem mesmo os de casa; Giordano Bruno (1548-1600) foi um frade dominicano italiano e um reconhecido teólogo; tendo proposto a reformulação de certos dogmas católicos, como a virgindade de Maria e a Santíssima Trindade (ideia de que a divindade se divide em Deus, Jesus e o Espírito Santo), além de refutar a ideia geocêntrica, foi sentenciado à morte e queimado vivo numa praça romana. Convidado a abjurar suas ideias a troco de escapar do martírio, declarou: “Talvez sintam maior temor ao pronunciar esta sentença do que eu ao ouvi-la”.
Outro importante religioso queimado vivo pela Inquisição foi o teólogo reformador tcheco Jan Huss, executado em 1415, entoando um verso de um cântico tradicional: “Jesus filho de Davi tem misericórdia de mim”.
Para a historiografia espírita, porém, o auto de maior relevância foi o Auto de Fé de Barcelona, em 1861, quando cerca de trezentas obras espíritas, de autoria de Allan Kardec e de outros correligionários, foram confiscados pelo bispo daquela cidade espanhola e então inapelavelmente queimados ao ar livre. Entretanto, apesar do prejuízo financeiro, o atentado acabou por despertar ainda mais interesse do povo da região pela Doutrina Espírita, além de inflamar a já crescente revolta popular contra o absolutismo da Igreja.
Aquarela do Auto de Fé de Barcelona de 9 de outubro de 1861
Para Kardec, o Auto de Fé de Barcelona é um marco que distingue bem o valor doutrinário das velhas crenças e o da Nova Era que o Espiritismo veio inaugurar; observando essa distinção com clareza, ele vai comentar, com pesar:
Ao longo do século XIX os Tribunais de Inquisição foram extintos pelos estados europeus, permanecendo apenas no Estado do Vaticano. Em 1908, o papa Pio X renomeia o órgão para Sacra Congregação do Santo Ofício, que depois foi rebatizada em 1965, durante o Concílio Vaticano II, como Congregação para a Doutrina da Fé, atualmente sediada no Palácio do Santo Ofício (Palazzo del Sant'Uffizio) em Roma. Conforme a Constituição Apostólica da Cúria Romana, promulgada pelo Papa Francisco em 19 de março de 2022, este dicastério tem as seguintes funções: “ajuda o Romano Pontífice e os Bispos a proclamar o Evangelho em todo o mundo, promovendo e protegendo a integridade da doutrina católica sobre a fé e a moral, valendo-se do depósito da fé e procurando também uma compreensão cada vez mais profunda dela diante de novas questões.”
Antecipando-se à Nova Era, a Doutrina Espírita preconiza fundamentalmente o direito natural de crença e a liberdade de culto, apoiando-se na força da verdade moral dos seus postulados e rejeitando a força bruta ou qualquer tipo de constrangimento a fim de convencimento religioso. É nesse sentido que Kardec rechaça o dogma religiosista de que “fora da igreja não há salvação” e propõe um novo preceito:
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