Este verbete refere-se ao Espírito denominado Verdade (às vezes grafado Espírito da Verdade, Espírito de Verdade ou simplesmente A Verdade), guia particular de Allan Kardec e inspirador da Codificação Espírita. Para Espírito da Verdade, referente ao Paráclito, o Consolador Prometido por Jesus, ver Consolador.
O guia espiritual do Codificador Espírita
Durante os estudos e pesquisas acerca da Revelação Espírita, que resultaram na codificação do Espiritismo, Allan Kardec foi apresentado a um ser espiritual, dito Espírito familiar. O fato se deu em 25 de março de 1856, numa sessão mediúnica realizada na casa da família Baudin, pela mediunidade de uma jovem da casa, ocorrendo assim um franco diálogo, do qual extraímos os trechos correspondentes à introdução da entidade ao codificador espírita:
Kardec — Meu Espírito familiar, quem quer que seja, agradeço-te por ter vindo me visitar. Consentirá em me dizer quem tu és?
Obras Póstumas, Allan Kardec - 2ª Parte, "A minha primeira iniciação ao Espiritismo"
Resposta — "Para ti, eu me chamarei A Verdade e todos os meses, aqui, durante um quarto de hora, estarei à tua disposição."
(...)
Kardec — O nome Verdade, por ti adotado, constitui uma alusão à verdade que eu procuro?
Resposta — "Talvez; pelo menos, é um guia que te protegerá e ajudará."
(...)
Kardec — Terá animado na Terra algum personagem conhecido?
Resposta — "Já te disse que, para ti, sou a Verdade; isto, para ti, quer dizer discrição; nada mais saberá a respeito."
(...)
Kardec — Disse-me que será para mim um guia, que me ajudará e protegerá. Compreendo essa proteção e o seu objetivo, dentro de certa ordem de coisas; mas, poderia me dizer se essa proteção também alcança as coisas materiais da vida?
Resposta — "Nesse mundo, a vida material é muito importante para se levar em conta; não te ajudar a viver seria não te amar."
Numa sessão realizada em 12 de junho daquele mesmo ano, o Espírito Verdade tranquiliza Kardec quanto à assistência espiritual, porém, condicionando-a à sincera devoção do codificador em seu dever espírita.
Durante um retiro em Sainte-Adresse, em 14 de setembro de 1863, Kardec recebe por um médium uma comunicação de um Espírito amigo pela qual assegura a proteção que lhe era dispensada pela espiritualidade, em particular pelo Espírito Verdade, de acordo com o desempenho do codificador:
"Nossa ação — principalmente a do Espírito de Verdade — é constante ao teu derredor e tal que não a podes negar. Assim sendo, não entrarei em detalhes ociosos a respeito do plano de tua obra, plano que, segundo meus conselhos ocultos, você modificou tão ampla e completamente. Compreende agora por que precisávamos ter-te sob as mãos, livre de toda preocupação outra, que não a da Doutrina. Uma obra como a que elaboramos de comum acordo necessita de recolhimento e de insulamento sagrado. Tenho vivo interesse pelo teu trabalho, que é um passo considerável para rente e, afinal, abre ao Espiritismo a estrada larga das aplicações proveitosas, a bem da sociedade. Com esta obra, o edifício começa a libertar-se dos andaimes e já se lhe pode ver a cúpula a desenhar-se no horizonte. Então, continue sem impaciência e sem fadiga; o monumento estará pronto na hora determinada."
Obras Póstumas, Allan Kardec - 2ª Parte, "Imitação do Evangleho"
Tomando conhecimento da grandiosa missão a que se dispunha empreender (codificar a Doutrina Espírita), Kardec logo reconhece que a assistência dessa entidade espiritual tinha o caráter especial de favorecê-lo no cumprimento daquela missão, pelo que ele anotou: "De fato, a proteção desse Espírito — cuja superioridade eu então estava longe de imaginar — jamais me faltou. A sua solicitude e a dos bons Espíritos que agiam sob suas ordens, se manifestou em todas as circunstâncias da minha vida, seja a me remover dificuldades materiais, seja a me facilitar a execução dos meus trabalhos, seja, enfim, a me preservar dos efeitos da malignidade dos meus opositores, que foram sempre reduzidos à impotência. Se não era possível evitar as tribulações inerentes à missão que me cumpria desempenhar, elas foram sempre suavizadas e largamente compensadas por muitas satisfações morais gratíssimas."
Quem é o Espírito Verdade
Espírito Verdade, normalmente grafado Espírito de Verdade (L'Esprit de Vérité, no original, em francês) aparece várias vezes nas obras básicas kardequianas, sendo citado ou assinando comunicações — ainda que, sem qualquer garantia de que se trate de uma mesma entidade. Em algumas delas — às quais Kardec faz questão de pedir muita ponderação — insinua-se ser o próprio Cristo.
Ao longo de suas publicações, Kardec descreve o Espírito Verdade não apenas como o mentor da falange de Espíritos colaboradores da Revelação Espírita, como também sendo de fato Jesus Cristo.
O Espírito Verdade na Codificação Espírita
Em O Livro dos Espíritos, entre os nomes das personalidades que assinam o prefácio da obra (Prolegômenos) figura-se o nome O Espírito de Verdade.
Em O Livro dos Médiuns, Kardec refuta a ideia proposta por alguns críticos de que todas as comunicações espirituais então na moda, naquele tempo, seriam de autoria de uma única entidade — que alguns propunham ser o Diabo, enquanto outros creditavam a Jesus (naturalmente o único autorizado por Deus para se manifestar ao mundo). Admitindo essa situação apenas por hipótese, justamente para negá-la, o autor então menciona O Espírito de Verdade, em comparação com o Cristo, inclusive intitulando-o "Santo entre todos".
"Quando lhes contestamos com os fatos de identidade — que confirmam a presença de parentes ou conhecidos dos circunstantes por meio de manifestações escritas, visuais, ou outras —, eles respondem que é sempre o mesmo Espírito, o diabo, segundo aqueles, o Cristo, segundo estes, que toma todas as formas. Porém, não nos dizem por que motivo os outros Espíritos não se podem comunicar, com que fim o Espírito de Verdade nos viria enganar, apresentando-se sob falsas aparências, iludir uma pobre mãe, fazendo-lhe crer que tem ao seu lado o filho por quem derrama lágrimas. A razão se nega a admitir que o Espírito Santo entre todos desça a representar semelhante comédia. Demais, negar a possibilidade de qualquer outra comunicação não importa em subtrair ao Espiritismo o que este tem de mais suave: a consolação dos aflitos? Digamos pura e simplesmente que tal sistema é irracional e não suporta exame sério."
Allan Kardec O Livro dos Médiuns - cap. IV, item 48
Adiante, neste mesmo livro, o Espírito de Verdade assina respostas a algumas questões propostas pelo codificador: a primeira, sobre aquela ideia de que somente Jesus ou Deus poderia se comunicar aos encarnados (cap. XXVII, item 301, questão 7); a segunda, sobre a lei de reencarnação (idem, questão 9); a terceira, sobre a unidade da verdade (mesmo capítulo, item 302); a quarta, sobre a missão dos médiuns (cap. XXXI, dissertação XV).
No livro A Gênese, falando do papel regenerador do Espiritismo, o autor algumas vezes menciona Espírito de Verdade em alusão ao Paráclito, o Consolador Prometido — que é impessoal, e sim, digamos, toda a Doutrina Espírita —, mas em duas citações específicas, ambas de mesmo teor, dá a entender que se refere ao Espírito Verdade:
"Como ficou demonstrado, o Espiritismo preenche todas as condições do Consolador que Jesus prometeu. Não é uma doutrina individual, nem de criação humana; ninguém pode dizer ser seu criador. É fruto do ensino coletivo dos Espíritos — ensino presidido pelo Espírito de Verdade."
Allan Kardec, A Gênese, - cap. I, item 40
"De fato, segundo o pensamento de Jesus, o Consolador é a personificação de uma doutrina soberanamente consoladora, cujo inspirador há de ser o Espírito de Verdade"
Allan Kardec, A Gênese, - cap. XVII, item 39
O prefácio de O Evangelho segundo o Espiritismo é assinado unicamente pelo Espírito de Verdade — o que indica ser uma individualidade, ou seja, aquele que preside a Revelação Espírita. No capítulo VI, temos algumas menções a respeito do Espírito de Verdade claramente dirigidas ao Espiritismo — portanto, de forma impessoal — e outras inequivocamente referentes à entidade individual, guia espiritual de Kardec, como as assinaturas das mensagens que fecham o referido capítulo. Na primeira delas, temos a clara indicação de que o Espírito fala como sendo Jesus.
"Como em outros momentos eu fiz aos transviados filhos de Israel, venho a vocês trazer a verdade e dissolver as trevas. Escutem: como antigamente a minha palavra fez, o Espiritismo tem de lembrar aos incrédulos que acima deles reina a imutável verdade: o Deus bom, o Deus grande, que faz germinem as plantas e se levantem as ondas. Revelei a doutrina divinal. Como um ceifeiro, reuni em feixes o bem espalhado no seio da Humanidade e disse 'Venham a mim, todos vocês que sofrem'..."
Espírito de Verdade, O Evangelho segundo o Espiritismo, - cap. VI, item 5
Encontramos referências ao Espírito de Verdade em vários artigos da Revista Espírita. Numa certa edição, especialmente, respondendo a determinada comunicação, pela qual uma entidade espiritual "gabava-se de sua tripla santidade", fica evidente a intenção de Allan Kardec em identificar no Espírito de Verdade a pessoa de Jesus:
"O Espírito que ditou a comunicação acima é, pois, muito absoluto no que concerne à qualificação de santo e não está certo quando diz que os Espíritos superiores se dizem simplesmente Espíritos de verdade, qualificação que não passaria de um orgulho disfarçado sob outro nome, e que poderia induzir em erro, se tomado ao pé da letra, porque nenhum se pode vangloriar de possuir a verdade absoluta, nem a santidade absoluta. A qualificação de Espírito de verdade não pertence senão a um só, e pode ser considerada como nome próprio; está especificada no Evangelho. Aliás, esse Espírito se comunica raramente e apenas em circunstâncias especiais. Devemos pôr-nos em guarda contra os que se adornam indevidamente com esse título: são fáceis de reconhecer, pela prolixidade e pela vulgaridade de sua linguagem."
Allan Kardec, Revista Espírita de julho de 1866 - "Qualificação de santo aplicada a certos Espíritos"
Essa identificação é então corroborada por outros Espíritos amigos, por exemplo, Erasto, que diz no artigo "Futuro do Espiritismo", da edição de fevereiro de 1868: "Eis, meus filhos, a verdadeira lei do Espiritismo, a verdadeira conquista de um futuro próximo. Portanto, caminhai, em vosso caminho imperturbavelmente, sem vos preocupar com as zombarias de uns e amor-próprio ferido de outros. Estamos e ficaremos convosco, sob a égide do Espírito de Verdade, meu senhor e o vosso."
O Espírito Verdade em obras espíritas clássicas
No livro Missionários da Luz, do Espírito André Luiz, psicografado por Francisco Cândido Xavier, lemos no capítulo 9 a explanação do instrutor Alexandre sobre o serviço mediúnico, ocasião na qual ratiifca que o Espírito da Verdade é de fato Jesus: "Porque audácia incompreensível imaginais a realização sublime sem vos afeiçoardes ao Espírito da Verdade, que é o próprio Senhor? Ouvi-me irmãos meus!... Se vos dispondes ao serviço divino, não há outro caminho senão Ele, que detém a infinita luz da verdade e a fonte inesgotável da vida! Não existe outra porta para a mediunidade celeste, para o acesso ao equilíbrio divino que anelais no recôndito santuário do coração! Somente através d'ELE, vivendo-lhe as sublimes lições, alcançareis a sagrada liberdade de entrar nos domínios da Espiritualidade e deles sair, conquistando o pão eterno que vos saciará a fome para sempre. Sem o Cristo, a mediunidade é simples 'meio de comunicação' e nada mais, mera possibilidade de informação, como tantas outras, da qual poderão assenhorear-se também os interessados em perturbações, multiplicando presas infelizes."
O Espírito Verdade é realmente Jesus?
Como se vê no diálogo já transcrito aqui, a entidade que se apresentou como guia particular de Kardec denominou-se simplesmente "A Verdade", esclarecendo que essa alcunha era uma alusão ao que o seu protegido buscava — a verdade das coisas — desde seus estudos de filosofia, precedentes ao trabalho espírita. Seria também — por coincidência ou não — uma menção ao epíteto que o Messias atribuiu a si mesmo quando disse "Eu sou o caminho, a verdade e a vida"? (João, 14:6). Ele próprio, nada mais disse a respeito de si, inclusive, nem se teria tido alguma encarnação na Terra. Apesar disso, como visto, várias citações da obra kardequiana sugerem a mesma identidade de Jesus e o seu guia espiritual. De qualquer maneira, ainda que não se trate exatamente do Cristo, pelo papel desempenhado à frente da obra espírita, o Espírito Verdade sintoniza-se ao Mestre, dignificando-se de representá-lo na condução da doutrina consoladora, em comunhão também com toda a espiritualidade elevada e com Deus, pois, nesse aspecto, o valor real está na obra realizada, independentemente do autor.
Referências
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