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Índice de verbetes


Codificador Espírita



Codificador espírita, ou Codificador do Espiritismo, é uma expressão bem usual no movimento espírita em alusão direta a Allan Kardec, no sentido de que foi ele quem codificou o Espiritismo, estabelecendo assim os fundamentos da doutrina através de um conjunto de obras literárias, conjunto esse então conhecido como Obras Básicas do Espiritismo e que forma o que se convencionou chamar de Codificação do Espiritismo, ou Codificação Espírita. A exatidão desse epíteto por vezes é questionada, mas um estudo linguístico apurado nos leva a considerarmos que o qualificativo codificador, embora não seja perfeito e suficiente para contemplar todo o valor do trabalho de Kardec, nada tem de inadequado desde que se preserve o devido contexto: Allan Kardec é o codificador espírita na acepção de que foi ele quem estruturou e publicou o conjunto basilar de conhecimentos e instruções que forma a Doutrina Espírita.


Allan Kardec, o Codificador do Espiritismo



Breve estudo linguístico de codificador e codificar

A palavra codificador é um qualificativo para o verbo codificar, que, por sua vez, têm vários significados, dentre os quais destacamos três, que diretamente nos interessa para a análise aqui em questão:

  1. Compilar, ou copilar, quer dizer: coletar uma série de textos, documentos e extratos de outras fontes e reuni-los numa só obra (por exemplo: o livro Obras Póstumas é uma coletânea de escritos de Allan Kardec compilados por Pierre-Gaëtan Leymarie);
  2. Compor um código, quer dizer um conjunto de leis (por exemplo: Código de Hamurabi, Código Napoleônico, Código Penal Brasileiro etc.) ou de instruções morais e religiosas (lei mosaica, código cristão etc.). No primeiro conjunto o sentido é o de legislar, no segundo é de filosofar;
  3. Formular uma mensagem inteligível de acordo com as regras de uma língua (que é um código). Segundo esta significação qualquer composição que tenha um sentido bem definido e seja compreensível é uma codificação (uma placa, uma poesia, uma redação, um livro...).

Permeando esta última acepção, temos que uma doutrina é uma espécie de código, no sentido de que ela estrutura um conjunto de conceitos e instruções práticas acerca de uma ideia central; estabelecer uma doutrina é, portanto, codificá-la, tornando compreensíveis os seus fundamentos. Neste contexto, faz jus a Allan Kardec o título de codificador do Espiritismo, visto que, de fato, ele é o artífice da Doutrina Espírita, para cuja formatação ele também atuou como um compilador ao coletar as mensagens e instruções espirituais recebidas pelos médiuns colaboradores, tal como a primeira acepção aqui referida para o verbo codificar. Destarte, o primeiro resultado de seu trabalho foi O Livro dos Espíritos — que bem poderia ser intitulado “O Código dos Espíritos” — que, aliás, traz na folha de rosto a designação: “Contendo os princípios da Doutrina Espírita... segundo o ensinamento dado pelos Espíritos... recolhidos e ordenados por Allan Kardec”.

Convém anotar que o ato de codificar também se atribui a outros significados diferentes que não têm relação nenhuma com as duas acepções aqui mencionadas. No jargão da informática, por exemplo, significa programar, escrever linhas de códigos (de um software, arquivo etc.). No ramo de telecomunicações, codificar é estabelecer ou selecionar padrões e formatos de processamento de sinais de transmissão (exemplos: formatos de televisão NTSC e PAL-M, formato de áudio mp3, vídeo mp4 etc.). E ainda tem o caso de criptografia (kryptos = oculto, secreto + graphia = escrita), que consiste em criar e utilizar um código especial para esconder uma mensagem mediante a correspondência de chaves utilizáveis para decodificá-la, ou seja, converter a mensagem do código oculto para uma linguagem acessível. Estes casos, portanto, nada tem a ver com o trabalho da codificação do Espiritismo.


Kardec, mero codificador?

Ocasionalmente, pode-se encontrar no meio espírita certa resistência quanto à justeza do adjetivo codificador para descrever a obra de Allan Kardec na formatação da doutrina dos Espíritos, havendo até quem entenda que esse epíteto seja inadequado, sob a alegação de que essa expressão diminui o valor do trabalho do pioneiro espírita, isto no contexto de que se possa supor Kardec como um mero compilador, alguém que simplesmente coletou uma série de dados e instruções dos Espíritos e os publicou, na condição de um editor qualquer — o que não retrata o conjunto da obra do codificador espírita. Como se sabe, compilar é codificar, mas codificar não é somente compilar.

A ideia que se pode fazer de Kardec como um simples secretário dos Espíritos, alguém que apenas transcreve uma composição alheia, é muito provavelmente uma interpretação literal das várias citações feitas pelo próprio Kardec pelas quais fazia questão de atribuir aos Espíritos toda a autoria e o mérito do Espiritismo, como nessa oportunidade:

“Mas essa teoria, em vez de me conferir qualquer mérito, se mérito ela tem, eu declaro que emana inteiramente dos Espíritos.”
Revista Espírita, Allan Kardec – julho, 1859: 'Sociedade parisiense de estudos Espíritas'

Bem como ele ratifica no livro A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo:

“Como ficou demonstrado o Espiritismo preenche todas as condições do Consolador prometido por Jesus. Ele não é uma doutrina individual, uma concepção humana; ninguém pode se dizer ser o criador dele. Ele é fruto do ensino coletivo dos Espíritos presidido pelo Espírito de Verdade.”
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec – cap. XVII, item 40

A modéstia de Kardec lhe impelia a recusar qualquer mérito pessoal, no entanto, sabemos que ele também foi protagonista no processo de elaboração da doutrina; mesmo em O Livro dos Espíritos, vê-se que é de sua autoria grande parte do conteúdo, fora as perguntas, e até na composição das respostas há a mão do codificador.

Se em O Livro dos Espíritos a palavra direta dos benfeitores espirituais — através de recortes das mensagens mediúnicas — representa boa parte do conteúdo da obra, nas demais publicações do mesmo autor essas transcrições formam uma fatia pequena, enquanto o grosso é composição de Kardec, desenvolvendo sua própria interpretação de acordo com as ideias oferecidas pelos mentores da codificação espírita.

Ver: Codificação Espírita.

Conquanto modesto, o próprio Allan Kardec recusou o papel de mero compilador dos Espíritos: em 1861, ele escreve ao jornal La Gironde em resposta a um artigo publicado por este mesmo periódico (4 de maio, 1861) e assinado por Octave Girand, que dizia o Espiritismo ser invenção de Kardec. Em dado momento, o codificador explana:

“[...] Eu coordenei os princípios [do Espiritismo] e desses princípios formei um corpo de doutrina, não como simples compilação, mas me apoiando sobre um estudo atento e prático durante oito anos de um trabalho assíduo...”
La Gironde - 20 de junho, 1861, p. 2 e 3

Noutra oportunidade, analisando seu papel no desenvolvimento da Doutrina Espírita, Kardec vai exprimir:

“Nesta circunstância, qual foi o meu papel? Nem o de inventor, nem o de criador. Vi, observei, estudei os fatos com cuidado e perseverança; coordenei-os e lhes deduzi as consequências: eis toda a parte que me cabe. Aquilo que fiz, outro poderia ter feito em meu lugar. Em tudo isto fui simples instrumento dos pontos de vista da Providência, e dou graças a Deus e aos Espíritos bons por se terem dignado servir-se de mim. É uma tarefa que aceitei com alegria, e da qual me esforcei por tornar-me digno, pedindo a Deus me desse as forças necessárias para realizá-la segundo a sua santa vontade. No entanto, a tarefa é pesada, mais pesada do que possam imaginá-la; e se tem para mim algum mérito, é que tenho a consciência de não haver recuado perante nenhum obstáculo e nenhum sacrifício. Será a obra da minha vida até meu último dia, porque, na presença de um objetivo tão importante, todos os interesses materiais e pessoais se apagam como pontos diante do infinito.”
Revista Espírita - nov. de 1864: 'O Espiritismo é uma ciência positiva'

Ora, é certo que o Espiritismo não poderia depender exclusivamente de uma determinada pessoa e que, no lugar de Allan Kardec, outro missionário poderia ser encarregado de cumprir a missão de codificador, no entanto, não qualquer um, mas somente alguém intelectualmente habilitado para didatizar todo aquele conteúdo mediúnico — tal a habilidade do Prof. Rivail (Kardec) — além de qualificado moralmente e comprometido com tal desiderato a ponto de fazê-la a obra de toda uma vida "até o último dia" — como se deu com Kardec.

Ainda tratando de definições, temos que, como codificar é também elaborar qualquer mensagem dentro de uma linguagem (código linguístico), podemos chamar Allan Kardec de codificador no sentido de que ele desenvolveu suas próprias composições. Em O Céu e o Inferno, por exemplo, encontramos um verdadeiro tratado filosófico e teosófico claramente de autoria kardequiana, conquanto embasado nos ensinamentos dos amigos invisíveis, que contribuíram mais diretamente com esta obra através das comunicações copiladas e publicadas na segunda parte do livro.


Questão da linguagem

Frequentemente lemos na obra kardequiana menção às limitações da linguagem, pelo que vamos encontrar apontamentos que destacam o valor do sentido da mensagem e despreocupação com a forma linguística, como neste extrato seguinte:

“Portanto, seria uma infantilidade apontar uma contradição onde frequentemente não há mais do que uma diferença de termos. Os Espíritos superiores não se preocupam absolutamente com a forma; para eles, a essência do pensamento é tudo.”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec – Introdução, XIII

Desta maneira, compreendemos que, se a adjetivação codificador não abrange nem define perfeitamente a inestimável contribuição de Kardec na formatação da Doutrina dos Espíritos, por outro lado não lhe tira o mérito que lhe cabe, considerando todas as acepções aplicáveis a este título e preservando o sentido amplo de suas atividades — seja codificador no sentido de compilador dos ensinamentos dos Espíritos, seja codificador no sentido de elaborador de suas próprias ideias, na interpretação dos conceitos oferecidos pela espiritualidade, como acentuou o estudioso espírita Deolindo Amorim:

“Não foi apenas, como às vezes se diz, mero colecionador ou compilador. Não! Para que compreendamos bem o papel que lhe coube desempenhar, precisamos reler Kardec, pois ele não se limitou à compilação sistemática. Interveio várias vezes, sensatamente, reformulando perguntas e provocando respostas mais elucidativas. Isto quer dizer, portanto, que a argúcia e o senso crítico de Allan Kardec penetraram em questões das mais delicadas, dando motivo a comentários pessoais e apreciações meditadas. Abramos O Livro dos Espíritos, principalmente, e lá encontraremos valiosos comentários de 'pé de página', o que demonstra, à saciedade, que Allan Kardec teve participação ativa e necessária colaboração da Doutrina, conquanto os ensinos básicos sejam dos Espíritos, o que, aliás, já é notório.”
Allan Kardec: o homem, a época, o meio, as influências, a missão, Deolindo Amorim


Origens e consagração dos termos Codificação e Codificador

Fora do círculo dos espíritas propriamente ditos, Allan Kardec era comumente citado como o ‘fundador do Espiritismo” — o que certamente o deixaria bastante contrariado. Já entre os confrades, o título mais comum empregado era o de Mestre (Maître, em francês), mas pouco a pouco, a concepção de codificador (codificateur) começou a ganhar força a partir da interpretação de que Kardec codificou a revelação espírita. Em 1880, na Revista Espírita do mês de maio, vamos encontrar Gabriel Delanne, grande apóstolo do Espiritismo da primeira geração, saudando Kardec nos seguintes termos (grifos nossos):

“Senhores, hoje, pela primeira vez, tenho o prazer de estar no encontro que todos os anos reúne os amigos do nosso venerável mestre Allan Kardec. [...] Saudações, então, ao ilustre trabalhador que passou sua vida a codificar as instruções de nossos amigos no espaço e lutando bravamente para implementá-las.”
Revue Spirite – maio, 1880: ‘Discours de M. Gabriel Delanne’

O mesmo Delanne, agora no jornal O Espiritismo, edição de março de 1884, volta a usar o verbo codificar dentro do mesmo contexto (grito nosso):

“Nós devemos a esse grande espírito [Allan Kardec] tanto respeito quanto reconhecimento por ter codificado claramente as instruções dos espíritos de uma maneira tão clara e positiva.”
Le Spiritisme – 1ª quinzena de março de 1884: ‘A nos lecteurs’

Também Henri Sausse, outro valoroso discípulo kardecista das primeiras gerações espíritas, vai fazer uso do referido verbo (grifo nosso):

“Allan Kardec conseguiu codificar tudo o que era justo e racional...”
Le Spiritisme – 2ª quinzena de julho de 1887: ‘Conférences’

A exata expressão Codificador do Espiritismo (Codificateur du Spiritisme) vai aparecer na Revista Espírita de dezembro de 1927 numa nota colhida em uma revista brasileira (Rio-Psychico) dando conta da nomeação de uma rua na cidade do Rio de Janeiro em homenagem a Kardec (grifo nosso):

“O Rio-Psychico [revista] nos anuncia que o Conselho municipal da Cidade do Rio de Janeiro, capital do Brasil, sob a proposição feita pelo Sr. Alberto Silvarès, acaba de dar o nome do grande Mestre e Codificador do Espiritismo Allan Kardec à rua Travessa Belegard, situada no bairro do Engenho Novo.”
Révue Spirite - 1 de dezembro de 1927: ‘Une rue Allan Kardec’

No Brasil, a mais antiga menção ao referido epíteto que conhecemos é de 3 de outubro de 1882, registrada num folheto de polianteia (miscelânea de homenagens) em comemoração a mais um aniversário de nascimento do mestre espírita, publicado por uma sociedade espírita do Município de Campos dos Goytacazes, interior do Estado do Rio de Janeiro (grifo nosso):

“[...] Destarte, largo espaço destinamos nestas colunas aos escritos dos mais competentes filósofos; largo espaço reservamos ao estilo colorido e convincente, que no codificador da ciência espírita trai a sensatez do argumentador...”
Polyanthéa Spirita comemorativa da encarnação do Espírito de Allan Kardec, Sociedade Campista de Estudos Espíritas, Campos dos Goitacazes, RJ, 3 de outubro de 1882

Na tradicional revista Reformador, da Federação Espírita Brasileira, a primeira citação do adjetivo aqui tratado encontra-se num texto de Manoel Fernandes Figueira, médium e um dos fundadores da FEB, na edição datada de março de 1891 (grifo nosso):

“[...] Vinte e dois anos apenas hoje se completam que o grande codificador alou-se para a morada eterna, deixando-nos as suas monumentais obras e já não há ponto algum civilizado do planeta, onde o Espiritismo não conte inúmeros adeptos...”
Reformador - 31 de março, 1891: ‘Polyanthéa’

A mesma Reformador volta a utilizar o termo codificador do Espiritismo como perífrase em referência a Allan Kardec, reproduzindo uma notícia oriunda da pátria do homenageado, pela ocasião do primeiro centenário de seu nascimento:

“[...] Da França nos chega finalmente a notícia de ter sido condignamente celebrado em Lyon o centenário do codificador do Espiritismo.”
Reformador - 15 dez de 1904: ‘O Centenário’

Desde então, o adjetivo virou uma alcunha frequentemente usada pelos estudiosos espíritas no Brasil e então o fruto literário do trabalho de Allan Kardec passou a ser designado como codificação espírita, como se lê em publicações diversas, tais como em Introdução à Filosofia Espírita do filósofo confrade José Herculano Pires (grifo nosso):

O Livro dos Espíritos nos oferece a súmula do trabalho gigantesco de Kardec. Mas se quisermos conhecer esse trabalho em profundidade temos de ler toda a bibliografia kardeciana: os cinco volumes da codificação doutrinária, os volumes subsidiários e mais os doze volumes da Revista Espírita, que nos oferecem o registro minucioso das pesquisas realizadas na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas. E precisamos nos interessar também pelos trabalhos posteriores de Camille Flammarion, de Gabriel Dellane, de Ernesto Bozzano, de Léon Denis (que foi o continuador e o consolidador do trabalho de Kardec).”
Introdução à Filosofia Espírita, José Herculano Pires – cap. II, item 2

Herculano não tem o menor receio de usar codificador como antonomásia a Kardec, como o faz abundantemente, por exemplo, em O Espírito e o Tempo, de que tiramos o seguinte trecho (grifo nosso):

“Sendo o Espiritismo uma realidade histórica, afirmada pelo codificador e seus sucessores, tem ele o seu passado e o seu presente, como terá o seu futuro.”
O Espírito e o Tempo, José Herculano Pires – ‘Preliminares’

O renomado estudioso espírita Hermínio C. Miranda foi outro que igualmente não hesitou usar os termos em questão, como pode ser visto no recorte adiante do clássico Diálogo com as Sombras:

A experiência com os espíritos ensina-nos que eles são compassivos, amorosos, pacientes, tolerantes e serenos, mas são também firmes e rigorosos, quando necessário. Isso está amplamente documentado na Codificação, pois nem mesmo a Kardec deixaram eles de dizer o que era necessário dizer, às vezes até com inesperada severidade.”
Diálogo com as Sombras, Hermínio C. Miranda – cap. 3

Das grandes personalidades da espiritualidade que militam no meio da nossa doutrina, desconhece-se qualquer reprovação aos termos expostos no contexto aqui apresentado. Em O Consolador, por exemplo, o benfeitor Emmanuel, através da mediunidade de Chico Xavier, ressalta (grifo nosso):

“A divisa fundamental da codificação kardequiana, formulada no ‘fora da caridade não há salvação’, é bastante expressiva para que nos percamos em minuciosas considerações.”
Consolador, (Emmanuel) Chico Xavier – questão 255

Na mesma obra, agora na questão 369, Emmanuel se refere a Kardec expressamente como “Codificador”.


Kardec e o Código Espírita

Em suas obras, Allan Kardec não denomina seu trabalho espírita de “codificação”, mas deixa subentendida essa ideia. Ele aqui e acolá vai tomar a palavra código pelo significado de conjunto de leis, ou instruções filosóficas e religiosas. Nesse contexto, codificar equivale a legislar (formular leis) ou compilar leis (reunir e divulgar). Em O Livro dos Espíritos, ele comenta (grifo nosso):

“A civilização criou para o homem novas necessidades e essas necessidades são relativas à posição social em que ele vive. Teve-se que regular os direitos e os deveres dessa posição por leis humanas, mas sob a influência dessas paixões, frequentemente ele criou direitos e deveres imaginários que a lei natural condena e que os povos apagam de seus códigos à medida que progridem...”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec – questão 795

Em O Céu e o Inferno, ele discorre detalhadamente da tese espírita sobre as leis divinas quanto à destinação da humanidade, que ele descreveu como “Código penal da vida futura”. Em dado momento, ele exprime:

“Neste divino código penal, a sabedoria, a bondade, a providência de Deus para com as suas criaturas revelam-se até nas mínimas particularidades, sendo tudo proporcionado e combinado com admirável solicitude para facilitar ao culpado os meios de reabilitação. As mínimas aspirações são consideradas e recolhidas.”
O Céu e o Inferno, Allan Kardec – 2ª parte, cap. VI, ‘Benoist’, questão 19

Nesta mesma obra Kardec fala que Jesus veio modificar a lei mosaica fazendo da sua lei o “código dos cristãos” (O Céu e o Inferno, 1ª parte, cap. XI, item 6). Diz ainda: “Tudo tinha sua razão de ser na legislação de Moisés, uma vez que tudo ela prevê em seus mínimos detalhes, mas a forma, bem como o fundo, adaptava-se às circunstâncias ocasionais. Se Moisés voltasse em nossos dias para legislar sobre uma nação civilizada, decerto não lhe daria um código igual ao dos hebreus.” (O Céu e o Inferno, 1ª parte, cap. XI, item 5).

Temos então que a Doutrina Espírita é também um conjunto de leis, ou melhor: instruções morais, do qual Kardec é o compilador. Com isso, ele vai apresentar O Evangelho segundo o Espiritismo da seguinte maneira:

“[...] reunimos nesta obra os artigos que podem compor — a bem dizer — um código de moral universal, sem distinção de culto.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec – ‘Introdução’, item I.

Com efeito, podemos dizer que há um "código espírita", qual seja o conjunto de leis, ou melhor, instruções, que os Espíritos vieram nos oferecer, compondo assim a Terceira Revelação, em sequência às outras duas grandes revelações da lei de Deus, assinaladas no código mosaico e no código cristão. E é interessante notarmos ainda a conexão que Kardec faz entre o Espiritismo e os códigos de Moisés e de Jesus: em sintonia com o código mosaico, na terceira parte de O Livro dos Espíritos, ele sintetiza o código espírita em dez itens — e o número aqui é emblemático, “coincidindo” com Decálogo mosaico (Os Dez Mandamentos): Lei de Adoração, Lei do Trabalho, Lei de Reprodução, Lei de Conservação, Lei de Destruição, Lei de Sociedade, Lei do Progresso, Lei de Igualdade, Lei de Liberdade, Lei de Justiça, Amor e de Caridade; e em sintonia com o Cristo, ele define a regra máxima e modelo absoluto de conduta, pelo que vai dizer que a moral espírita é a moral cristã:

“A moral dos Espíritos superiores se resume, como a do Cristo, nesta máxima evangélica: fazer aos outros aquilo que queremos que os outros nos faça, isto é, fazer o bem e nunca o mal. Neste princípio o homem encontra uma regra universal de proceder, mesmo para as suas menores ações.”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec – Introdução, item VI

A conexão entre estas três grandes revelações está explícita perfeitamente no primeiro capítulo de O Evangelho segundo o Espiritismo: “Não vim destruir a lei”, de onde recortamos o elucidativo trecho que segue:

“A lei do Antigo Testamento teve em Moisés a sua personificação; a do Novo Testamento está no Cristo. O Espiritismo é a terceira revelação da lei de Deus, mas não está personificada em nenhuma individualidade, porque é fruto do ensino dado não por um homem, e sim pelos Espíritos, que são as vozes do Céu, em todos os pontos da Terra, com a cooperação de uma multidão infinita de intermediários. De certa maneira, é um ser coletivo, formado pelo conjunto dos seres do mundo espiritual, cada um dos quais traz o tributo de seus entendimentos aos homens, para lhes tornar esse mundo conhecido e a sorte que os espera.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec – cap. I, item 6.

Por outro lado, podemos entender que as leis naturais que só Deus e os Espíritos superiores conhecem a fundo seja para nós também uma espécie de código, um mistério natural, que pouco a pouco vai sendo revelado — ou decodificado — de acordo com a vontade divina e o planejamento didático dos instrutores espirituais, razão pela qual nos permitimos considerar Allan Kardec como um dos decodificadores (e aí não mais um codificador), ou um tipo de tradutor, já que então está convertendo (criando uma versão inteligível) esse saber oculto para a nossa linguagem a fim de que possamos melhor apreendê-la, como está definido nas palavras kardequianas aqui reproduzidas:

“O Espiritismo é a ciência nova que vem revelar aos homens a existência e a natureza do mundo espiritual e as suas relações com o mundo corpóreo, por meio de provas irrecusáveis. Ele nos mostra a espiritualidade, não mais como coisa sobrenatural, mas ao contrário, como uma das forças vivas e sempre atuantes da Natureza, como a fonte de uma imensidade de fenômenos até hoje incompreendidos e, por isso, jogados para o domínio do fantástico e do maravilhoso. É a essas relações que o Cristo menciona em muitas circunstâncias e daí vem que muito do que ele disse permaneceu incompreendido ou falsamente interpretado. O Espiritismo é a chave com o auxílio da qual tudo se explica de modo fácil.”
Idem – cap. I, item 5.

Em suma, a codificação kardequiana não é tão simplesmente um conjunto de leis, conceitos técnicos e instruções; é de um desenvolvimento dinâmico cujos efeitos são ilimitados. Por conseguinte, Allan Kardec — o codificador do Espiritismo — não se limita a ser o compilador da Doutrina dos Espíritos; ele é partícipe ativo do processo de codificação, coautor da obra toda, que é uma das acepções aplicáveis ao termo codificador. As controvérsias, ademais, ficam por conta da imprecisão da nossa linguagem.


Referências

  • O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - Ebook.
  • A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Ebook.
  • O Céu e o Inferno, Allan Kardec - Ebook.
  • O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Ebook.
  • Revista Espírita coleção 1859, Allan Kardec - Ebook.
  • Revista Espírita coleção 1864, Allan Kardec - Ebook.
  • Houiass Eletrônico, Instituto Antonio Houaiss - versão 3.0 (2009).
  • La Gironde, 20 de junho de 1861, Variétés: 'Observations de M. Allan Kardec sur l'article de M. Octave Girande, concernant le spiritisme', pág. 2 e 3, em - RetroNews.
  • Allan Kardec: o homem, a época, o meio, as influências, a missão, Deolindo Amorim. Edição: Instituto Maria e Instituto de Cultura Espírita de Juiz de Fora.
  • Revue Spirite, 1 de maio, 1880, disponível em RetroNews.
  • Revue Spirite, 1 de dezembro, 1927, disponível em RetroNews.
  • Le Spiritisme, 1ª quinzena de março de 1884 - Ebook.
  • Le Spiritisme, março de 1893 - Ebook.
  • Le Spiritisme, 2ª quinzena de julho de 1887: ‘Conférences’ - Ebook.
  • Polyanthéa Spirita comemorativa da encarnação do Espírito de Allan Kardec, Sociedade Campista de Estudos Espíritas, Campos dos Goitacazes, RJ, 3 de outubro de 1882, disponível em: Fundação Biblioteca Nacional.
  • Reformador, 31 de março, 1891 - Reformador - acervo online.
  • Reformador, 15 de dezembor, 1904 - Reformador - acervo online.
  • Introdução à Filosofia Espírita, José Herculano Pires - Ebook.
  • O Espírito e o Tempo, José Herculano Pires - Ebook.
  • Diálogo com as Sombras, Hermínio C. Miranda - FEB Editora.
  • O Consolador, (Emmanuel) Francisco Cândido Xavier - FEB Editora.
  • Allan Kardec e o código espírita: questão dos termos codificador, decodificador e codificação do Espiritismo no blog Espiritismo em Movimento.


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Índice de verbetes
A Gênese
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo
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Espírito Verdade
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José Herculano Pires
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