Espírito Verdade, ou Espírito de Verdade, Espírito da Verdade ou ainda simplesmente Verdade, refere-se a uma entidade espiritual citada nas obras de Allan Kardec para a codificação do Espiritismo; é subentendido como sendo o próprio Jesus, o Cristo. Ele é descrito como aquele que preside a Doutrina Espírita, figurando seu nome entre os Espíritos que assinaram O Livro dos Espíritos. Também foi apresentado como o guia espiritual de Kardec. Várias comunicações mediúnicas cuja autoria lhe é atribuída foram publicadas nos livros kardequianos e na Revista Espírita, as quais seu teor sempre demonstra uma elevação.
Para Espírito da Verdade no sentido de Paráclito, ver: Consolador.
Guia espiritual de Kardec
Durante os estudos e pesquisas do Prof. Rivail (Allan Kardec) acerca da fenomenologia mediúnica, no auge do movimento Espiritualismo Moderno, o futuro codificador do Espiritismo recebe a informação, através do Espírito Zéfiro, em 11 de dezembro de 1855, que seu trabalho estava sendo guiado e protegido por uma entidade que havia sido na Terra “Um homem justo e sábio”. Mais tarde, já em fase de elaboração de O Livro dos Espíritos, Kardec vai participar de uma sessão espiritual familiar, em 25 de março de 1856, e finalmente pôde empreender diálogo com a referida entidade, pela mediunidade da senhorita Baudin:
Meu Espírito familiar, quem quer que seja, agradeço por ter vindo me visitar; poderia me dizer quem você é? Resposta: — Para você, eu me chamarei A Verdade, e todos os meses, aqui, durante um quarto de hora, estarei à tua disposição.
[...] O nome Verdade que você adotado é uma alusão à verdade que procuro? Resposta: — Talvez, pelo menos constitui um guia que te protegerá e te ajudará.
[...] Você teria sido algum personagem conhecido na Terra? Resposta: — Eu te disse que, para você, eu seria A Verdade; isso para você queria dizer discrição: não saberá mais nada a respeito disso.
Obras Póstumas, Allan Kardec - 2ª parte: ‘Meu guia espiritual’
A ratificação dessa proteção especial foi feita numa outra sessão na residência da família Baudin, realizada em 9 de abril de 1856, acrescida da promessa de cuidados até mesmo com relação às questões materiais:
Disse-me que você seria para mim um guia e que me ajudaria e me protegeria; eu concebo essa proteção e seu propósito numa certa ordem de coisas, mas poderia me dizer se essa proteção se estende também às coisas materiais da vida? Resposta: — Neste mundo, a vida material significa muito; não te ajudar a sobreviver seria não te amar.
Obras Póstumas, Allan Kardec - 2ª parte: ‘9 de abril de 1856’
Desde então, esta individualidade invisível manteve-se ativa na cooperação com a obra kardequiana, especialmente nos momentos mais decisivos dos seus trabalhos doutrinários, tal como Kardec reconheceu:
“A proteção desse Espírito — de cuja superioridade, aliás, eu estava longe de suspeitar — de fato nunca me faltou. Sua solicitude e a dos bons Espíritos sob suas ordens se estenderam a todas as circunstâncias da minha vida, seja para aplainar as dificuldades materiais, seja para facilitar o cumprimento dos meus trabalhos, seja enfim para me preservar dos efeitos da malvadeza dos meus antagonistas, sempre reduzidos à impotência. Se as atribulações inerentes à missão que eu deveria cumprir não podiam ser evitadas, elas sempre foram suavizadas e largamente compensadas por satisfações morais muito doces.”
Idem
Essa solicitude espiritual foi novamente comprovada por uma comunicação datada de 14 de setembro de 1863, respondendo questões que Kardec havia encaminhado a Erasto, através do médium Alis d’Ambel, estando o pioneiro espírita ausente de Paris; a comunicação começa assim:
“Até que eu quero te falar de Paris, embora a utilidade não me pareça demonstrada, visto que minhas vozes íntimas se fazem ouvir em torno de ti, e que teu cérebro percebe as inspirações com uma facilidade tal que você mesmo não duvida. Nossa ação — sobretudo a do Espírito de Verdade — é constante em teu derredor e tal que você não pode negar.”
Obras Póstumas - 2ª parte: ‘Imitação do Evangelho’
Variações da grafia
Ao longo da literatura kardecista, encontramos a grafia da entidade em destaque com algumas variações, começando pela forma como o próprio Espírito se apresentou: A Verdade (La Vérité, no original em francês), frisando que esta grafia parece ter sido indicada como uma forma íntima de tratamento entre a entidade espiritual e Kardec: “Para você, eu me chamarei A Verdade” (O destaque é conforme o original).
Na sequência da apresentação pessoal, Kardec refere-se ao seu guia pela forma simples Verdade (Vérité): “O nome Verdade que você adotado é uma alusão à verdade que procuro?...”
No diálogo de 12 de junho de 1856, sobre a missão do codificador espírita, uma mensagem é assinada pela alcunha Espírito Verdade (Esprit Vérité), que Kardec utiliza na mesma ocasião: “Espírito Verdade, agradeço os teus sábios conselhos. Aceito tudo sem restrição e sem segundas intenções.”
Já na comunicação de Erasto, de 14 de setembro de 1863, verifica-se outra transcrição: Espírito de Verdade (Esprit de Vérité): “Nossa ação — sobretudo a do Espírito de Verdade — é constante em teu derredor...” Desde então, esta é a forma mais frequente pela qual o mestre espírita vai se referir ao seu guia nas suas publicações literárias, muitas vezes acrescendo o artigo — O Espírito de Verdade (L'Esprit de Vérité) — inclusive como aparece na relação de nome dos Espíritos que assinam os ‘Prolegômenos’ em O Livro dos Espíritos.
Convém observarmos ainda que a grafia francesa Esprit de Vérité por vezes também é traduzida como Espírito da Verdade (com a contração da preposição com o artigo feminino: de + a = da), por exemplo, nas traduções espíritas de José da Costa Brites e Maria da Conceição Brites para o português de Portugal. Dentre os tradutores brasileiros que adotaram esta maneira expressa, destacamos José Herculano Pires, que também discorreu sobre a intimidade entre o Espírito e o seu obreiro encarnado:
“A própria intimidade, logo estabelecida entre o Espírito da Verdade e Allan Kardec, as relações afetivas que se desenvolveram entre ambos, prolongando-se na consolidação de uma profunda confiança espiritual, através de quinze anos de intensa atividade, é suficiente para mostrar-nos quanto se achavam integrados no mesmo esforço, para a consecução do mesmo objetivo.”
O Espírito e o Tempo, J. Herculano Pires - cap. V, item 4
Espírito da Verdade e Paráclito
É possível que o Espírito Verdade seja confundido com o Paráclito do Novo Testamento bíblico, o Consolador Prometido por Jesus; isto porque esse agente renovador também é identificado pela expressão “Espírito da Verdade”:
“Se vocês me amam, guardarão os meus mandamentos. E eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Consolador, a fim de que esteja com vocês para sempre: é o Espírito da verdade, que o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece. Vocês o conhecem, porque ele habita com vocês e estará em vocês.
“Quando, porém, vier o Consolador, que eu enviarei a vocês da parte do Pai, o Espírito da verdade, que dele procede, esse dará testemunho de mim.
“Porém, quando vier o Espírito da verdade, ele os guiará em toda a verdade. Ele não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que ouvir e anunciará a vocês as coisas que estão para acontecer. Ele me glorificará, porque vai receber do que é meu e anunciará isso a vocês.”
João, 14:15-17; 15-26; 16:13-14
Este Consolador, porém, corresponde à Revelação Espírita, ou seja, ao próprio Espiritismo; portanto, é um agente impessoal, um movimento, uma doutrina, como Kardec bem definiu:
“Assim, o Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba donde vem, para onde vai e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da lei de Deus e consola pela fé e pela esperança.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. VI, item 4
Em suma, esse “Espírito da Verdade” (Paráclito, Consolador, às vezes descrito como Espírito Santo) não é uma pessoa — espiritual ou encarnada —, mas sim uma obra, que o Espiritismo executa com propriedade, sem estar personificado em ninguém:
“A lei do Antigo Testamento teve em Moisés a sua personificação; a do Novo Testamento está no Cristo. O Espiritismo é a terceira revelação da lei de Deus, mas não está personificada em nenhuma individualidade, porque é fruto do ensino dado não por um homem, e sim pelos Espíritos, que são as vozes do Céu, em todos os pontos da Terra, com a cooperação de uma multidão infinita de intermediários. De certa maneira, é um ser coletivo, formado pelo conjunto dos seres do mundo espiritual, cada um dos quais traz o tributo de seus entendimentos aos homens, para lhes tornar esse mundo conhecido e a sorte que os espera.”
O Evangelho segundo o Espiritismo - cap. I, item 6
Contudo, sem perder esse caráter impessoal, todo esse movimento regenerador se mostra muito bem organizado e devidamente orquestrado, denotando haver uma hierarquia nessa coletividade e uma liderança ativa. E Kardec denominou esse líder:
“Portanto, ele [o Espiritismo] é obra do Cristo, que o preside pessoalmente, conforme igualmente o anunciou, para a regeneração que se opera e prepara o reino de Deus na Terra.”
O Evangelho segundo o Espiritismo - cap. I, item 7
Quem é o Espírito Verdade
Depois de denominar Jesus como o presidente da nova revelação, o codificador espírita vai quase repetir a mesma frase, entretanto substituindo o nome do Cristo pela alcunha Espírito de Verdade:
“O Espiritismo vem na época predita cumprir a promessa do Cristo: o Espírito de Verdade é quem preside o seu advento.”
O Evangelho segundo o Espiritismo - cap. VI, item 4
Logo na sequência do texto desta última citação, Kardec reproduz uma coletânea de mensagens, recebidas entre 1861 e 1863 e ditadas por uma entidade espiritual que assinou com a alcunha “O Espírito de Verdade”. O teor das comunicações não deixa dúvidas que seu autor declara ser o próprio Jesus: “Como em outros momentos eu fiz aos transviados filhos de Israel, venho a vocês, trazer a verdade e dissolver as trevas. Escutem: como antigamente a minha palavra fez, o Espiritismo tem de lembrar aos incrédulos que acima deles reina a imutável verdade: o Deus bom, o Deus grande, que faz germinem as plantas e se levantem as ondas. Revelei a doutrina divinal. Como um ceifeiro, reuni em feixes o bem espalhado no seio da Humanidade e disse ‘Venham a mim, todos vocês que sofrem...” Esta mesma dissertação, aliás, já havia sido publicada quatro anos antes, com pequenas modificações, em O Livro dos Médiuns, de onde recortamos o trecho a seguir:
“Eu venho — eu, o teu Salvador e o teu juiz —, venho, como outrora entre os filhos transviados de Israel; venho trazer a verdade e dissipar as trevas. Escutem-me! O espiritismo, como a minha palavra outrora, deve relembrar aos materialistas que acima deles reina a imutável verdade: Deus bom, o Deus grande que faz germinar a planta e que levanta as ondas. Eu revelei a doutrina divina; como o ceifador, juntei em feixes o bem esparso na humanidade e disse: Venham a mim, todos vocês que sofrem!”
O Livro dos Médiuns - 2ª parte, cap. XXXI, dissertação IX
O ponto mais interessante aqui é que nesta primeira publicação Kardec revela que o autor desta mensagem havia assinado com o nome Jesus de Nazaré.
Jesus de Nazaré, o Cristo
No decorrer da bibliografia kardequiana, vamos encontrar várias mensagens e menções ao Espírito de Verdade (com suas variações gráficas) ficando claramente subentendido se tratar do próprio Cristo, por exemplo, nas passagens adiante, que fazem um cruzamento de referências associadas:
“As religiões fundadas no Evangelho não podem por isso se dizerem com a posse de toda a verdade, pois ele [Jesus] reservou para si o complemento posterior de seus ensinamentos.”
A gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo - cap. XVII, item 37
“Segundo o pensamento de Jesus, o Consolador é de fato a personificação de uma doutrina soberanamente consoladora, cujo inspirador há de ser o Espírito de Verdade.”
A gênese, os Milagres e as Predições... - cap. XVII, item 39
Outra ocasião igualmente interessante de ser apreciada é a de quando Kardec, respondendo a uma determinada comunicação pela qual uma entidade desencarnada se gabava de sua “tripla santidade”, evidencia a identificação do Espírito de Verdade com a pessoa de Jesus:
“O Espírito que ditou a comunicação acima é, pois, muito radical no que concerne à qualificação de santo e não está certo quando diz que os Espíritos superiores se dizem simplesmente Espíritos de verdade, qualificação que não passaria de um orgulho disfarçado sob outro nome, e que poderia induzir em erro, se tomado ao pé da letra, porque nenhum se pode vangloriar de possuir a verdade absoluta, nem a santidade absoluta. A qualificação de Espírito de verdade não pertence senão a um só, e pode ser considerada como nome próprio; está especificada no Evangelho. Aliás, esse Espírito se comunica raramente e apenas em circunstâncias especiais. Devemos pôr-nos em guarda contra os que se adornam indevidamente com esse título: são fáceis de reconhecer, pela prolixidade e pela vulgaridade de sua linguagem.”
Revista Espírita - julho de 1866: ‘Qualificação de santo aplicada a certos Espíritos’
Testemunhas espirituais
Os Espíritos dão seu testemunho, tanto da identificação de Jesus como Espírito de Verdade quanto da presidência do movimento espírita, como é o caso de Erasto:
“Eis, meus filhos, a verdadeira lei do Espiritismo, a verdadeira conquista de um futuro próximo. Caminhem, pois, em vosso caminho imperturbavelmente, sem se preocuparem com as zombarias de uns e o orgulho ferido de outros. Estamos e ficaremos convosco, sob a égide do Espírito de Verdade, meu senhor e o vosso.”
Erasto
Revista Espírita - fev. de 1868: ‘Futuro do Espiritismo’
Já o Espírito de Hahnemann, tratando de um grave caso de possessão, acrescenta que o Espírito de Verdade não apenas preside a Terceira Revelação, mas também dirige todo o planeta Terra:
“Essas obsessões frequentes terão também um lado muito bom, naquilo que sendo penetrada pela prece e pela força moral, pode-se fazê-la cessar e adquirir o direito de expulsar os maus Espíritos, cada um procurará, pela melhoria de sua conduta adquirir esse direito que o Espírito de Verdade, que dirige este globo, conferirá quando for merecido.”
Hahnemann
Revista Espírita - jan. de 1864: ‘Um caso de Possessão: Senhorita Julie’
Esta afirmação também está em sintonia com o que diz Allan Kardec em O Livro dos Médiuns, 2ª parte, cap. IV, item 48, ao dizer que o Cristo “é o protetor da Terra” — também corroborado pelo Espírito Chateaubriand:
“Vós sois guiados pelo verdadeiro Gênio do Cristianismo, eu vos disse; é porque o próprio Cristo preside aos trabalhos de toda natureza que estão em vias de cumprimento para abrir a era de renovação e de aperfeiçoamento que vos predizem os vossos guias espirituais.”
Revista Espírita - fev. de 1860: ‘O tempo presente’
Idem Lacordaire, outro importante cooperador espiritual para o Espiritismo:
“Era preciso, aliás, completar o que não havia podido dizer então, porque não teria sido compreendido. Foi porque uma multidão de Espíritos de todas as ordens, sob a direção do Espírito de Verdade, veio em todas as partes do mundo e em todos os povos, revelar as leis do mundo espiritual, das quais Jesus havia adiado o ensinamento, e lançar, pelo Espiritismo, os fundamentos da nova ordem social. Quando todas as bases lhe forem postas, então virá o Messias que deverá coroar o edifício e presidir à reorganização com a ajuda dos elementos que terão sido preparados.”
Revista Espírita - fev. de 1868: ‘Os Messias do Espiritismo’
Portanto, em se confirmando a mesma identidade nos dois personagens em questão, ainda assim poderemos ver a impessoalidade do Espiritismo, distinguindo-se assim a seara e os seareiros, pois mesmo Jesus — com toda a sua realeza — não se fez dono do Consolador, como afirmou o filósofo José Herculano Pires:
“De outro lado, o Espírito da Verdade não se dizia o detentor exclusivo da Verdade, nem o Revelador Espiritual, mas o orientador dos trabalhos de toda a Falange do Consolador. Ao lado do Espírito da Verdade encontramos toda a plêiade de entidades espirituais que subscrevem a mensagem publicada nos ‘Prolegômenos’ de O Livro dos Espíritos, e as demais, que aparecem como autoras das numerosas mensagens transcritas nesse livro, bem como em O Evangelho segundo o Espiritismo e nas outras obras da codificação.”
O Espírito e o Tempo, J. Herculano Pires - cap. V, item 4
Finalmente, fica patente a associação dos nomes Espírito Verdade e Jesus. E de qualquer maneira, ainda que não se trate exatamente da mesma pessoa, pelo papel desempenhado à frente da obra espírita, o Espírito Verdade sintoniza-se ao Mestre de Nazaré, dignificando-se de representá-lo na condução da doutrina consoladora, em comunhão também com toda a espiritualidade elevada e com Deus, pois, sobre esse aspecto, o valor real está mais na obra realizada do que no nome do obreiro.
Veja também
Referências
- O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - Ebook.
- O Livro dos Médiuns, Allan Kardec - Ebook.
- O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Ebook.
- A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Ebook.
- Obras Póstumas, Allan Kardec - Ebook.
- Revista Espírita, Allan Kardec: coleção 1860 - Ebook; coleção 1864 - Ebook; coleção 1866 - Ebook; coleção 1868 - Ebook.
- Artigo ‘Espírito da Verdade, quem seria ele?’, por Paulo Neto - Espiritismo em Movimento.
- O Espírito e o Tempo, J. Herculano Pires - Ebook.
- Bíblia Online - site.
- Versão de O Livro dos Espíritos para o português de Portugal, traduzido por José da Costa Brites e Maria da Conceição Brites- BNP.
- Verbete Paráclito na Wikipédia.